PEDRO E FLORA: UMA HISTÓRIA DE AMOR?
Capítulo 20: DOUTOR CARDOSO
Todas as noites, à hora de dormir, depois de passar o dia se esforçando para alcançar o mais elevado grau de esgotamento, Pedro deitava-se com o fantasma de Flora. Ouvindo a voz animada e alegre de Flora. Vendo os olhos negros de Flora a sorrir para ele. Aninhando seus dedos nos cabelos cacheados de Flora. Sentindo o perfume estonteante de Flora. Tocando o corpo quente de Flora. Dando em Flora um beijo infinito. Até se perceber no silêncio do quarto, a imobilidade dos objetos, o cenário sem vida onde ele agora sobrevivia. Ao levantar ligava o celular como quem empunha uma corda para sair do abismo. Tinha esperança de ler apenas uma mensagem: Pedro, te amo, estou voltando para casa. A tela impiedosa nada dizia.
Se ela voltasse, ao sair do elevador iria espremê-la no beijo de parede. Iria massagear o corpo da sua branquinha, com atenção especial aos pés, pressionando a sola com o polegar e puxando com delicadeza cada um dos dedinhos. Depois entraria nela como quem volta para casa, sem nunca parar de olhar para Flora. Este era, de verdade, o maior prazer: olhar nos olhos da mulher que você ama e ter certeza de que é amado.
Agora as certezas tinham desaparecido. Achava tudo aquilo estranho, bizarro até. Era sexta feira, estava com Bola em Itaipava atrás de um doutor Cardoso. O distrito não dispunha de nenhum hospital, mas havia clínicas. Na primeira delas, um prédio que parecia uma loja, ninguém havia ouvido falar em doutor Cardoso. No posto de saúde, idem, havia doutor Ferreira, doutor Azevedo, nada de doutor Cardoso. Em uma clínica luxuosa, uma enfermeira disse ter conhecido um doutor Cardoso, que agora trabalhava em um centro médico no final da rua principal. Foram até lá. O doutor Cardoso era um oftalmologista, um médico recém-formado que não devia ter nem trinta anos. Explicamos a história por alto e ele foi simpático mas disse não conhecer nenhuma Flora Tavares. Quando falamos que se referia a algo que acontecera vinte anos atrás, abriu um enorme sorriso:
—Vocês estão procurando o meu pai. Ele é um médico obstetra aposentado. Nem mora mais aqui e sim no centro de Petrópolis, eis o endereço.