/PEDRO E FLORA: UMA HISTÓRIA DE AMOR? – Capítulo 18: DOIS ROMANCES

PEDRO E FLORA: UMA HISTÓRIA DE AMOR? – Capítulo 18: DOIS ROMANCES

PEDRO E FLORA: UMA HISTÓRIA DE AMOR?

Capítulo 18: DOIS ROMANCES

Pedro animou-se com o projeto do romance. Em um caderninho azul, anotou ideias. Tinha que escolher entre duas histórias. A primeira chamava-se Revertério 86 e o protagonista era Marcelo, um adolescente de classe média estudioso e deslocado. Logicamente, estava apaixonado pela menina mais bonita da sala. Sua vida muda ao fazer um amigo na arquibancada do Maracanã, um rapaz que morava na Mangueira e o leva para conhecer o mundo do samba. Ele conhece isso e muito mais, inclusive uma moça do local. O tema central do romance seria a transformação da visão de mundo de um peixinho de aquário que vem a conhecer o mar. A outra ideia era mais complexa e difícil. O cenário era o início do século XIX em Angola e no Brasil. Olabisi, uma mocinha libolo, é sequestrada e trazida como escrava para o Rio de Janeiro, onde tem que se adaptar a uma realidade pesada. A particularidade é que ela tem poderes especiais concentrados nos pés. Mesmo sendo um escritor principiante, Pedro se decidiu por Olabisi, que começava assim:

Nem o Cuanza depois da chuva. Nem as palancas correndo pela savana. Nem a aldeia em dia de festa. Nada era igual aos olhos da Kuku. Lembravam um pássaro pousado em paz sobre um galho. Mas podiam virar um leopardo que sente o cheiro da caça. Se os apontava para mim nunca era à toa, sempre tinha algo a dizer. Cada palavra era uma pedra atirada em um lago, fazendo ondas circulares que não terminavam. Ainda nem conseguia tocar os chifres do búfalo quando a Kuku me disse:

— Olabisi é a que traz alegria. A alegria vai demorar. E não conte nada para a medrosa da sua mãe. Vai dizer que é feitiçaria. Nem todas as árvores dão frutos, mas algumas de nós nascem com poderes. Ouça seus pés.

— Não entendi, vó.

— O tempo vai ensinar.

Passei a olhar para os meus pés, como se fossem conversar comigo. Apertava, alisava, mordia. Ou estavam mudos ou não queriam falar nada. A Kuku vigiava, em silêncio. Aos poucos os pés foram dizendo coisas na língua deles.

Quando viu, depois de escrever, reescrever, cortar e imaginar novas cenas, passava da meia-noite. Já era sexta-feira, dia de ir a Itaipava na pista de Flora.