/FONTES PARA A SALA DE AULA # 024 – O suicídio de Getúlio, as duas Cartas-Testamento e a reação popular

FONTES PARA A SALA DE AULA # 024 – O suicídio de Getúlio, as duas Cartas-Testamento e a reação popular

FONTES PARA A SALA DE AULA # 024

O SUICÍDIO DE GETÚLIO, AS DUAS CARTAS-TESTAMENTO E A REAÇÃO POPULAR

O dramático suicídio do presidente Getúlio Vargas com um tiro no peito na madrugada do dia 24 de agosto de 1954, mudou a história do Brasil. Vargas deixou uma carta manuscrita que termina dizendo que “A resposta do povo virá mais tarde…”. Mas não é essa carta manuscrita que é divulgada e sim a chamada “Carta Testamento”, datilografada. Não entrando aqui no debate sobre a autencidade da segunda, é esta que é amplamente divulgada em rádios e jornais. Isso leva a uma reação popular surpreendente e de grandes proporções em grandes capitais mas sobretudo no Rio e em Porto Alegre. Colocamos aqui as duas versões da Carta-testamento.

No Rio, populares percorriam as ruas com paus e pedras nas mãos arrancando e queimando os cartazes e faixas dos candidatos da UDN. Sendo impedidos pela polícia de invadir o prédio de O Globo, apedrejaram a fachada e queimaram dois caminhões com exemplares do jornal. Tentaram também invadir a Tribuna da Imprensa, jornal de Lacerda. Não conseguindo, queimaram exemplares. Também foram impedidos pela polícia de quebrar a Rádio Globo, que estava tocando música normalmente e não música clássica como as outras emissoras, em respeito ao luto. Mesmo com todo o centro do Rio cercado de policiais, a multidão conseguiu apedrejar os jornais O Mundo e a Notícia, o escritório da Standard Oil e a própria Embaixada dos Estados Unidos.

Em Porto Alegre (ver foto) a sede da UDN foi invadida e de lá foi retirada a bandeira brasileira, indicando que aquele partido não tinha direito de usá-la. O jornal O Estado do Rio Grande, do Partido Libertador, teve máquinas, móveis e equipamentos destruídos. O Diário de Notícias foi invadido e teve exemplares queimados. Depois o prédio foi incendiado, tendo a Rádio Farroupilha e Rádio Difusora sofrido o mesmo destino. Foram também atacadas e incendiadas as sedes dos seguintes partidos: PSD, Frente Democrática, a Frente Popular, o Partido Socialista, o Partido Social Progressista e o Partido da Representação Popular. O consulado norte-americano foi invadido, saqueado e totalmente destruído. Por fim, se atacou o CityBank, símbolo dos interesses norte-americanos. O banco foi invadido e destruído, sendo as fichas cadastrais lançadas à rua e incendiadas. Nenhum dinheiro foi levado.

Toda essa reação popular fez recuar a oposição. Carlos Lacerda, por exemplo, teve que fugir do país e passar alguns meses no exterior.

CARTA TESTAMENTO MANUSCRITA

“Deixo à sanha dos meus inimigos, o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia. A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
Acrescente-se a fraqueza de amigos que não defenderam nas posições que ocupavam à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.
Se a simples renúncia ao posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranqüilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria.
Mas tal renúncia daria apenas ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me.
Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas.
Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes.
Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos.
Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.
Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade.
A resposta do povo virá mais tarde…”

A CARTA-TESTAMENTO DATILOGRAFADA

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constantes de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais posso dar, a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo a vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentirei em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”

Fonte: Brasil História – Texto e Consulta. Vol. 4 – Era de Vargas. São Paulo:Hucitec,1988.p.258.