/Raul Pompéia e a Proclamação da República como uma parada militar

Raul Pompéia e a Proclamação da República como uma parada militar

Raul Pompéia e a Proclamação da República como uma parada militar

Natureza e data do texto:

Raul Pompéia, abolicionista e republicano entusiasmado, forma-se em Direito (São Paulo-Recife) e começa a publicar em inúmeros jornais. Chega a acusar o imperador D.Pedro II de estupro por ocasião do episódio conhecido como “O roubo das jóias da Coroa” (1882, ver Schwarcz,L. As barbas do imperador. São Paulo, Cia das Letras, 1998. Pp. 425ss). Simpatizante de Floriano Peixoto, durante o enterro do marechal faz um exaltado discurso. É combatido e demitido da direção da Biblioteca Nacional. Suicida-se (1895). É autor de várias obras, dentre as quais a mais famosa é O Ateneu (1888). Durante anos publicou a coluna Vida na Corte, da qual se segue a crônica referente ao dia 15 de novembro de 1889.

“Tenho apenas tempo de arranjar uma nota do dia, rascunhada sobre o joelho, num rápido intervalo da vertigem dos acontecimentos que constituem hoje, 15 de novembro, a Vida na Corte.

Na Corte, se nos é permitido ainda designar com esta denominação monárquica a capital da pátria brasileira.

Como aos leitores devem ter informado, quando se publicar esta nota, os telegramas desta folha e a leitura ávida das folhas do Rio de Janeiro, o elemento militar, unido em formidável movimento de solidariedade, derribou o ministério Afonso Celso.

O aspecto da cidade, na manhã de hoje, foi o mais extraordinário e imponente que se poderia imaginar.

Depois de intimarem o governo a retirada do poder, as tropas desfilaram pela cidade em marcha triunfal.

É indescritível o entusiasmo das praças no delírio da vitória recente.

Nas fileiras da infantaria, sobre o galope irrefreável dos bravos ginetes da cavalaria, de cima dos bancos das carretas da artilharia carregadas de caixas de munições, os soldados esqueciam-se da disciplina para expandir-se em vivas à nação brasileira, em saudações calorosas ao povo.

A multidão, fraternizando com a força pública, enchia o espaço com o rumor de estrondosas aclamações.

Depois do passeio, em que impressionou profundamente a união de todos os corpos militares da cidade, cavalaria de lanceiros, cavalaria de carabineiros, artilharia montada, todos os batalhões de infantaria e artilharia, escolas militares, imperiais marinheiros, fuzileiros navais, até o corpo de polícia da Corte, oitocentas praças que foram mandadas contra o general Deodoro e que se entregaram ao comando da sua espada, os soldados recolheram aos quartéis na maior ordem.

Depois da poderosa exibição guerreira das marchas da manhã, aquela festa de entusiasmo de homens robustos fardados de negro, sacudindo ao sol o brilho das espadas e das baionetas, através de um tumulto de carros de artilharia sobre o calçamento e toques de clarins e alvoroçados clamores, foi notável o grande dia de sossego que se seguiu na cidade.

Não há notícia da menor desordem.

Os diretores do movimento revolucionário reunidos em casa do general Deodoro no Campo de Santana, em duas longas conferências deliberaram a respeito da constituição do Governo Provisório e das primeiras medidas de garantia da segurança pública. Durante essas conferências, circulavam pela cidade as graves notícias das resoluções da comissão de salvação pública, naturalmente firmada pelos valentes iniciadores da revolução, como a prisão do ex-presidente do Conselho, prisão do sr. Cândido de Oliveira, detenção em um dos portos do Sul do sr. Silveira Martins, de viagem para esta cidade; constava ao mesmo tempo o sobressalto do imperador, da princesa imperial, a recusa do convite endereçado ao general Deodoro pelo imperador por intermédio dos srs. Correia e Dantas, para apresentar-se à conferência. Apesar da gravidade da situação, do caráter excepcional das notícias e dos boatos, a fisionomia geral da cidade é a do completo repouso e da absoluta paz.

Às onze e meia da noute, à porta do Diário de Notícias, foi afixado o boletim com a lista dos ministros do Governo Provisório.

Circunstância interessante: nessa hora, o sossego público, assegurado pela distribuição de rigorosa polícia organizada pela revolução vitoriosa, o sossego público era tão perfeito que não houve quase povo para tomar conhecimento da grande notícia.

Passada a agitação deste momento, enviarei em crônica completa uma impressão mais minuciosa dos acontecimentos.

15 de novembro de 1889.

O Farol. Juiz de Fora, MG, 17 de novembro de 1889.

Fonte: Crônicas do Rio.Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1996. Coleção Biblioteca Carioca. p.91