/OS SETE SEGREDOS DE FLORA – Capítulo 29: MARCADOR AMARELO

OS SETE SEGREDOS DE FLORA – Capítulo 29: MARCADOR AMARELO

Pedro apagou os vestígios de Flora. O mínimo objeto virava lembrança e dor. Escondeu a caneca azul de café. Varreu da geladeira as comidas, os queijos e chocolates amados por ela. Comprou novas roupas de cama e trocou também os travesseiros. Se pudesse teria arrancado o chão da casa tocado pelos pezinhos brancos. Melhor, teria mudado de casa até Flora retornar, porque sem ela os aposentos, móveis e tudo mais pareciam o cenário de um filme fantasma. Tudo dizia respeito à presença de Flora, a sua existência material, concreta, ao tempo iluminado que haviam tido juntos. Pedro buscava compensar a ausência desta Flora de carne e osso com um mergulho na alma do amor da sua vida. Se não podia vê-la, podia tentar entendê-la.

Quando foram morar juntos, a vida dos dois se misturou de uma maneira harmônica, o Bola dizia que se entrosavam feito Túlio e Donizete. Havia pequenos problemas, mas eram resolvidos com conversa e carinho, os dois estavam dispostos a ceder. A única coisa que não se misturou foram os livros. De comum acordo, ficaram separados para que cada um mantivesse sua identidade literária, diziam. Por isso, agora era fácil para Pedro buscar nos livros de Flora pistas para compreendê-la melhor. Com um livro na mão, Flora era inseparável de um marcador amarelo de gel. Com ele sublinhava as passagens mais importantes ou tocantes. Foi como conversar com ela. Ele riu, chorou, refletiu, reconheceu sua Flora ali por inteiro, do jeito que era: intensa, lúdica, amorosa e melancólica. Dois trechos sublinhados chamaram a sua atenção. O primeiro foi a estrofe de um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen:

Esgotei o meu mal, agora
Queria tudo esquecer, tudo abandonar,
Caminhar pela noite fora
Num barco em pleno mar.

Não podia faltar um Drummond que o deixou arrepiado:

Minha vida, nossas vidas

formam um só diamante.

Aprendi novas palavras

e tornei outras mais belas.

Era isso. Flora havia ressignificado sua existência.