/OS SETE SEGREDOS DE FLORA – Capítulo 33: AMANHECER

OS SETE SEGREDOS DE FLORA – Capítulo 33: AMANHECER

— O sítio ficava em um lugar lindo, alto, isolado, cercado de verde e com uma montanha imponente ao fundo. No inverno fazia bastante frio, mas em geral o clima era agradável, o ar era puro, víamos um mar de estrelas à noite. Éramos umas trinta pessoas, a maioria jovens até vinte e poucos anos, embora houvesse gente mais velha. Eles ditavam as regras. Além do trabalho no campo, duro mas aliviado pelo companheirismo, todas as outras tarefas eram divididas. Pregava-se o amor livre, mas não muito, porque a formação de casais era praticamente proibida, a ideia era de que ninguém era de ninguém. Visto de fora pode parecer promiscuidade, mas era uma experiência interessante tentar desvincular o amor do sentimento de posse. O líder da comunidade, Saulo, era uma figura complicada. Um homem de quarenta e poucos anos que pintava o cabelo de preto. Já imaginou? Mas isso não era o pior. Ele detinha uma espécie de primazia sexual. As meninas e mulheres que chegavam acabavam tendo que ir para cama com ele primeiro. A não ser que ele não estivesse interessado. Quando eu cheguei lá estava muito debilitada, magra, abatida, tinha cortado meus cabelos bem curtos para dificultar as buscas dos meus pais. Por isso fui poupada, ao menos no princípio. À medida em que fui me restabelecendo, engordando e ganhando corpo, o Saulo começou a me perseguir. Àquela altura eu já não tinha nenhuma simpatia por ele.

— E a Flora?

— Ela chegou no Amanhecer nesse momento. Parecia um bichinho assustado, com jeito de quem tinha sofrido algo terrível. Mesmo assim, Flora era muito bonita, prendia os olhos da gente, a presença dela era um sol, a voz era doce e quente. Logo nos entendemos, sentimos o cheiro do sofrimento uma da outra. Ela me contou a história do aborto, mas não revelou o nome do pai. Eu relatei a minha fuga de casa. Viramos boas amigas inseparáveis, a gente ria, chorava e se apoiava o tempo todo. Avisei que o Saulo iria partir para cima dela. Flora tinha vindo em busca da liberdade, para fugir da violência e da dor. Via o Amanhecer como um abrigo seguro longe do mundo que a tratara da pior forma. Descobriria que não era nada disso.