/FONTES PRIMÁRIAS PARA A SALA DE AULA 002 – ABOLIÇÃO na tradição oral “perpetuada” pela música

FONTES PRIMÁRIAS PARA A SALA DE AULA 002 – ABOLIÇÃO na tradição oral “perpetuada” pela música

A) JONGO “Pisei na pedra”, evocando a libertação dos escravos pela Princesa Isabel

Natureza e data do texto: quando da sua libertação em 13 de maio de 1888, os homens e mulheres que haviam sido escravizados e trabalhavam nas fazendas de café do Vale do Paraíba “cantaram sem parar por três dias e três noites”* (1) esta música, que ainda hoje é cantada, quase 130 anos depois, pelas comunidades de jongueiros no Brasil afora:

“Eu pisei na pedra

Pedra balanceou

Mundo tava torto

Rainha endireitou”

Interpretação: Pedra, aqui, sem dúvida é Pedro II. Sendo assim, os negros estariam atribuindo a Abolição à sua ação política através de fugas, revoltas e resistência, que teriam pressionado e feito a “pedra” balançar. Notem o protagonismo, a afirmação da ação: “Eu pisei na pedra”. O mundo torto, sem dúvida, é a escravidão, regime injusto, intolerável, desumano. A Rainha é a Princesa Isabel, a quem se agradece, embora seja a ação dos negros que seja colocada como a causa da libertação.

*Fonte da música: SILVA,Eduardo. Dom Obá II, o Príncipe do Povo.p.182.

B) JONGO atribuído a Darcy Monteiro (o saudoso Mestre Darcy da Serrinha, 1932-2002)

Natureza de data do texto: aqui temos o “Pisei na Pedra” recriado a partir do jongo tradicional, por parte de Mestre Darcy, filho de Vovó Maria Joana (1902-1986), vinda de Valença no interior do Estado do Rio de Janeiro (região do Vale do Paraíba). Mestre Darcy, que participou do movimento negro e correu o mundo como músico, decerto deve ter ouvido sua mãe cantar a versão tradicional quando era criança. É interessante notar que ele recriou o jongo, incorporando uma visão mais moderna da Abolição. Estive em uma mesa-redonda com ele em que Mestre Darcy admitiu ter feito esta mudança propositalmente:

“Pisei na pedra

Pedra balanceou

Levanta meu povo

Cativeiro se acabou”

Interpretação: Vejam que a “Princesa” sai de cena e a música conclama o povo a se levantar, relembrando que o cativeiro já acabou, a hora da mudança chegou.

Obs: Creio que estas duas versões podem ser utilizadas em sala de aula para debater o papel da resistência negra na Abolição. E também o processo de recriação da tradição oral negra, que recria os elementos tradicionais incorporando novos significados históricos.

Como citar: ALVITO, Marcos. “Abolição na tradição oral ‘perpetuada’ pela música”. Página do Facebook – Marcos Alvito – Professor, julho/2016. Disponível no link. (acessado em …/…/…).