/Diário do URUCUIA 013 – Há dias em que dá tudo certo de uma forma inacreditável

Diário do URUCUIA 013 – Há dias em que dá tudo certo de uma forma inacreditável

Diário do URUCUIA 013 – Há dias em que dá tudo certo de uma forma inacreditável
Os romanos já dividiam os dias em fastos e nefastos. Quase mil anos antes, o poeta-camponês grego Hesíodo, já ensinava, em Os Trabalhos e os Dias, os momentos propícios para cada uma das tarefas do campo. Era um tempo em que o homem se adaptava à natureza ao invés de modificá-la e destruí-la. No tempo do verão, por exemplo:
Quando o cardo floresce e a cigarra sonora,
pousando numa árvore, derrama um canto claro
e constante de sob as asas, na estação do verão cansativo,
é então que as cabras são mais gordas, o vinho melhor,
as mulheres mais lascivas e os homens mais fracos,
O que fazer?
Daí bebe o vinho ardente, sentado à sombra,
o coração satisfeito com a comida,
a face voltada para o frescor do Zéfiro.
De límpida fonte corrente sempre a fluir
serve três partes de água para uma de vinho.
Nunca fui romano: inventaram a propriedade privada, o reality show da morte da luta de gladiadores e a invasão, subjugação e controle em massa de populações vencidas. Grego eu já fui e continuo sendo. Embora cada vez mais esteja me transformando em um jagunço rosiano, logo, místico. Pois só acreditando no inacreditável é que posso explicar esta sexta-feira, 6 de maio de 2022.
Começou com uma despedida: no dia anterior fui levar Isolda de volta para seu paizinho na Junior Bikes. Sou alto e não conseguia pedalar direito nela. Tive que trocá-la pela fabulosa Alba Valéria, com a qual fui pedalando na manhã do dia seguinte até a Vereda da Mutuca. De novo? Acho que essa veredinha me enfeitiçou. Queria estar a sós com ela e com meus pensamentos. É meu altar rosiano. Assim que cheguei, para variar, um casal de araras canindé sobrevoou sobranceiramente a minha pessoa. Ainda pego vocês, pensei. E, como sempre acontece quando não pensamos no tempo, ele passou. Quando despertei da minha meditação veredal, quem estava lá? O par de araras em cima de um lindo buriti. Nem tive dúvida: empunhei a Nikon e desfechei uma saraivada de cliques (elas voam, lembram?) na direção das danadas. Feliz, dei por encerrados os trabalhos e pedalei de volta ao acampamento. Fui ao posto de gasolina almoçar e como sobremesa chupei meu Chicabom com paixão — sem paixão não se chupa nem um chicabom, dizia Nelson Rodrigues. Voltei, dei linha para os meus sonhos durante a soneca e despertei preparado.
Preparado porque seria o dia da segunda aula do curso LENDO Grande sertão: veredas em Urucuia para os jovens do Ensino Médio. Chegaram na hora desta vez e pareceram mais à vontade com a forma de narrar e as questões presentes no livro. Para facilitar, eles foram recebidos com um quadro negro verde que dizia:
7 coisas para não esquecer:
1. O livro está na forma de um “diálogo” entre um velho fazendeiro rico (que foi jagunço na juventude) e um doutor da cidade;
2. Não tem capítulos ou está dividido em partes visíveis;
3. O velho fazendeiro, mais do que contar, quer refletir acerca do significado da sua vida, dos seus atos e das consequências dos mesmos;
4. Ele acha que pode ter feito um pacto com o Diabo e que isso pode ter causado a morte do seu grande amor;
5. De início, ele não conta a história, mas aponta as questões para as quais gostaria de ter respostas;
6. A história vai aparecer embaralhada, fora de ordem cronológica, “entrançada” como diz Riobaldo;
7. A narrativa é ambígua: “tudo é e não é”.
Aos poucos, brincando carinhosamente, sempre buscando exemplos da realidade e da vivência deles, os meninos e meninas foram “entrando” no texto ou talvez fosse melhor dizer que estavam deixando o texto “entrar” neles. Liam o livro e deixavam o livro lê-los.
O velho guieiro, quem vem a ser “este vosso servidor”, já estava “o feliz”, mas o Rosinha me aprontou mais uma. Lembram-se de Riobaldo e Diadorim, os dois meninos que encontrei na vereda? “Mire veja”, pouco antes do intervalo eles adentram a sala de aula, muito sem graça mas decididos. Eu fiz uma recapitulação, dei um livro para cada um e me perguntei onde eu iria colocar tanta alegria.
Como sempre, o Rosinha veio em meu socorro:
“Felicidade se acha é em horinhas de descuido”
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Em setembro, NOVO curso Lendo Grande sertão: veredas
Inscrições abertas: marcosalvito@gmail.com – apenas 25 vagas
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