/Diário do Urucuia 033 – #ajudeoalvitoavoltarprosertão2023, segredo para a despedida e ditadura rosiana

Diário do Urucuia 033 – #ajudeoalvitoavoltarprosertão2023, segredo para a despedida e ditadura rosiana

Diário do Urucuia 033 – #ajudeoalvitoavoltarprosertão2023, segredo para a despedida e ditadura rosiana

Acordei quatro e meia da manhã para preparar uma surpresa que vocês só verão no domingo de manhã. Não havia água na pia para escovar os dentes, muito menos no chuveiro, ninguém morre de tédio nesse hotel, tem sempre uma inovação. Para mim, pouco importou, Hermínia fez meu café, comi meus biscoitos com fatias de mussarela e parti para a minha missão ainda de madrugada.

Ao voltar o sol já reinava e a jagunçada braba já praticava a sebaça no café da manhã. Nem entrei na sala, fui direto na padaria onde bebi um delicioso suco de laranja e comi um queijo quente com ovo no pão francês. De vez em quando é bom voltar à civilização. Definição de civilização? Qualquer lugar com a presença de menos de três homens (às vezes, nem assim). Fora isso, como diria Joseph Conrad, é o Coração das trevas, é o horror!

Para arejar e falar em coisa boa, hoje decidi vadiar de forma contumaz e irrepreensível, afinal alguém tem que defender a fama de vagabundos dos cariocas. Saí da padaria fui dar uma caminhada pela João Guimarães Rosa, avenida Rosinha, para os íntimos. Primeiro encontrei meia-dúzia de corujinhas buraqueiras, bicho muito fofo, elas não têm nem um palmo de altura. Não negaram o nome: quando me viram gritaram socorro e se refugiaram em uma grota que haviam cavado em pleno canteiro central. Rosinha ia gostar de saber que sua avenida dá abrigo para estes pequenos seres alados de olhos bem redondos. Mais à frente, outro encontro, com um par de nelores puxando um carro de boi: Rolete e Foguete. Seu Julio disse que eu podia fazer carinho em Rolete, mas que Foguete não negava o nome, era feroz. Tinha pinta e os chifres dele não eram brinquedo.

Voltei para o acampamento e Habãozinho consertou o chuveiro para eu poder tomar banho. A vadiagem iria continuar em grande estilo. Fiz a barba, me aprontei e parti para Arinos. Afinal, se tudo der certo estarei lá dando aula em 2023. O primeiro alvo foi a Central Veredas, onde comprei o presente de minha madrinha e alguns outros. Adoro dar presentes. Até aí, eu sei, nada de mais, muitas pessoas são assim. Mas se eu disser que não gosto de receber presentes? Bens materiais nunca me emocionam, pode ser o que for, eu agradeço por educação. Gosto de algo vivo, encontrar para um café, um almoço, uma viagem, a companhia, a conversa, isso é que é presente para mim. As pessoas percebem, pensam que estou desprezando o presente que elas me dão, mas não é isso.

Entrar na Central Veredas para escolher um presente é uma maravilha, mesmo para um indeciso libriano. Achei umas almofadinhas pequenas, belamente bordadas, parece que foram feitas para bonecas. Ousei me dar de presente um chaveiro com uma mini-mini-mini almofada com um buriti bordado, não poderia deixar passar essa.

Depois fiquei andando por Arinos, impressionado. Em alguns lugares é até difícil encontrar vaga para estacionar. Deve haver cinco vezes mais lojas do que em Urucuia, há um supermercado em cada esquina, a agência do Banco do Brasil é enorme. Aqui ou ali ainda há uma casa tranquila com um bom quintal e uma rede pendurada. Mas há um grande movimento de pessoas nas calçadas, perto de Urucuia isso aqui é uma grande cidade. Ou seja: não se vê mais corujinha buraqueira no canteiro, nem tucano nas árvores, tampouco carro de boi pelas ruas. E arara no céu fugindo de mim nem pensar, hoje vi as esquivas canindés aqui em Urucuia.

O que mais me interessava, na verdade, era o almoço no Vale do Urucuia, comida a peso que fica em frente da Polícia Civil. Onze em ponto lá estava eu e fiz um prato montanhoso de arroz, feijão, salada, linguiça e batata frita com a sobremesa de sempre.

Na volta para Urucuia gravei um vídeo para vocês sobre o qual vou falar daqui a pouco. Retornei pela reta quase sem fim que liga as duas cidades e tirei minha sonequinha. Ao acordar, um zap-papo com minha madrinha, onde contei a ela quais seriam minhas três primeiras medidas caso eu me tornasse um ditador rosiano (um oxímoro óbvio):

1. Militares devem comparecer aos quartéis somente para hastear a bandeira, cantar o hino, dar duas voltas marchando no pátio e voltar para casa de bico calado e olhando para baixo. O salário será proporcional ao mini-expediente. O dinheiro economizado deverá ser todo aplicado na educação;

2. Durante 5 anos é proibido derrubar qualquer árvore e plantar eucaliptos e ficam banidos os pivôs de irrigação (belo acréscimo feito por ela);

3. Até ordem contrária, o único livro obrigatório do ENEM fica sendo Grande sertão: veredas.

Claro que é só uma brincadeira, mas mesmo um chiste dá de mil na atual gestão, digamos assim.

Em um dia de malemolência não pode faltar uma ida à papelaria, estrela maior do comércio urucuiano. Meus dois lápis e minha borracha foram tragados pelo Vão-do-Buraco e tive que repor, claro que em dobro. Assim eu aprecio gastar o meu rico dinheirinho.

E por falar em dindin, resolvi seguir uma outra sugestão da madrinha. Fazer um belo livro em pdf com todos os Diários do Urucuia e ilustrado com as melhores fotos desta travessia, muitas mais do que as que aparecem no FB. O livro também virá com minha apostila ensinando a ler Grande sertão: veredas. A ideia inicial é que ele seja um brinde para aqueles que fizerem uma doação para o projeto #ajudeoalvitoavoltarprosertãoem2023. As contribuições serão transformadas em um fundo com esta finalidade e somente esta: ajudar este pastor itinerante a difundir o Evangelho rosiano dos primeiros dias junto às populações do “brabo norte”.

Adoraria ouvir sugestões da parte de vocês, inclusive dizendo se por acaso poderão contribuir para esta humilde igreja literária e metafísica. A meta é alcançar 6 mil reais, o valor da despesa que tive para fazer esta peregrinação à Terra Sagrada. Sim, porque ainda não tive resposta, nem de Unaí, nem de Arinos, quanto à possibilidade de dar aulas nestas cidades no ano próximo. Acham 6 mil muito? Gasolina uns 1.200, hospedagem, 1400, 1360 para uma moça cuidar da minha gatinha todos os dias, uns 600 reais de xerox, mais alimentação, almoço e jantar durante mais de 30 dias.

Bem, empulhei vocês o mais que pude com este diário pastel de vento.

Espero que o vídeo abaixo me redima, ele foi gravado de maneira precária e arriscada, mas acho que valeu a pena. Maximé!

P.S: A vadiagem é relativa: gravei mais um episódio do Urucuia podcast ( #053) e à noite dei aula de Grande sertão: veredas para o destemido Bando Diadorim que passou da metade do livro e agora enfrenta o lado avesso de Riobaldo.

———————————————————————————————

Em setembro, NOVO curso Lendo Grande sertão: veredas

Inscrições abertas: marcosalvito@gmail.com – apenas 25 vagas

Estudantes, professores e moradores de Urucuia e do sertão mineiro receberão bolsa de 50%

———————————————————————————————