Diários do Urucuia Especial – Sete dicas para viajar no sertão rosiano
(NÃO é um guia dos lugares a visitar e de suas “atrações”, são apenas dicas práticas; creio que a leitura dos 37 Diários do Urucuia pode dar dicas do que fazer em determinados locais)
— “Sertão não é malino nem caridoso, mano oh mano!: — …ele tira ou dá, ou agrada ou amarga, ao senhor, conforme o senhor mesmo.” (Grande sertão: veredas)
Dica zero: antes de tudo, é preciso conhecer a obra de Guimarães Rosa, sobretudo Grande sertão: veredas e Sagarana; você não vai visitar algo óbvio como um monumento ou um grande museu; só tendo desenvolvido uma sensibilidade para o sertão é que você vai conseguir “ver” alguma coisa;
Dica 1: Um carro normal, com todos os documentos em dia e em bom estado, serve perfeitamente. Mas o ideal seria um 4×4 ou um carro ao menos mais alto e com mais potência e tração do que um modelo 1.0 para enfrentar as estradas de terra, pois muitos locais interessantes, como cachoeiras, por exemplo, são praticamente impraticáveis para um carro mais simples. Também é importante notar que você pode viajar mais de 100 km sem esbarrar com nenhuma localidade, posto de gasolina ou mesmo uma vendinha para comprar água. Portanto, ande sempre de tanque cheio, com água e um lanche. Pelo mesmo motivo, é bom levar um pequeno kit de primeiros socorros. Tenha um carregador de celular no carro. É recomendável que no volante esteja um ou uma motorista que tenha experiência em estrada, pois também há trechos perigosos de mão e contra-mão com muito movimento. Cautela.
Dica 2: Eu dividiria os roteiros possíveis, que logicamente são infinitos em dois grupos: margem esquerda e margem direita do São Francisco.
Eu começaria pela margem esquerda, muito mais tranquila em termos de tráfego e onde se encontra um ponto fulcral: Cordisburgo, terra natal de Guimarães Rosa. Eu visitaria também Paraopeba (muito perto de Cordisburgo), Três Marias (em qualquer pousada junto do São Francisco), Andrequicé (distrito a 20 km do centro de Três Marias) e, por fim, Urucuia. Perto de Urucuia (no sertão qualquer lugar a 100 km de distância é perto) há outros pontos de interesse se você tiver tempo: Arinos, Sagarana (distrito) e Uruana (terra das cachoeiras). A Chapada Gaúcha também tem várias atrações com direito a guia turístico (e estrada de terra).
A partir de Urucuia, se você quiser, pode alcançar a margem direita, mas terá que enfrentar 73 km de estrada de terra até Pintópolis e depois a balsa para atravessar o Velho Chico, desembarcando em São Francisco, bela cidade. De lá pode subir para Januária, mais ao norte. Descendo para o sul, recomendo Grão-Mogol e Itacambira, mas alerto que você vai pegar um tráfego pesado antes e depois de Montes Claros. Claro que você também poderá optar pela margem direita desde o início, saindo de BH.
Atente para o fato de que Waze e Google Maps, embora muito úteis, devem ter seus mapas baixados no celular, porque é muito comum ficar sem acesso à Internet no meio da estrada.
Dica 3: Botas. Parece um conselho ridículo, mas tênis e sandálias de todos os tipos é que são ridiculamente impróprios para a maioria dos terrenos que você vai encontrar. A bota, muitas vezes, será a sua melhor amiga. Uma bota que proteja o tornozelo, que dê firmeza para você caminhar em um terreno pedregoso, acidentado, enlameado, esburacado, quer que eu continue? E também tem a questão das cobras…
Dica 4: Alimentação. Talvez seja o maior problema. Se você gostar de uma dieta de arroz, feijão e uma carne, com uma salada mui simples, tudo bem. Muitas vezes só há um lugar para almoçar na cidade e nem sempre muito bom. À noite, a situação piora, muitas vezes só há sanduíches ou bares servindo porções de alguma coisa frita. Porque em cidades muito pequenas todo mundo janta em casa. Cada um deve buscar a sua solução. No meu caso, boa parte da semana eu jantava iogurte (comprado no supermercado local) mais uma super-granola e castanhas de caju, trazidos por mim para a viagem. Às vezes complementava com um biscoito e queijo. E leve uma cafeteira portátil se não gostar de beber café açucarado, até mesmo no hotel, às vezes.
Dica 5: Converse, interaja, pergunte… Normalmente não há placas indicando “atrações”, nem folhetos, nem guias. São as pessoas do lugar que sabem que lugares são esses, como chegar, dando dicas e alertando para problemas (um rio aparentemente calmo pode engolir pessoas, é sempre bom perguntar antes de sair mergulhando). E como você quer conhecer o sertão sem conhecer as pessoas, sem ouvir suas histórias e a história do lugar ? O sertão não é um cenário, é um organismo vivo. As pessoas, tratadas com educação e humanidade farão o possível para te ajudar. E, acredite, você precisa dessa ajuda.
Dica 6: Você não está indo de um lugar para o outro: você está no sertão o tempo todo. Faça navegação de cabotagem: pare para ver e fotografar um rio, um córrego, a vegetação do Cerrado, uma bela árvore, uma pequena localidade, um carro de boi, vaquinhas pastando, um cavalo bonito e por aí vai… Tenha calma, respire, não olhe só, “mire e veja”, aproveite o lugar, o momento. Talvez a coisa mais preciosa que o sertão tem a ensinar é uma outra forma de lidar com o tempo (e com a vida). Se estiver com pressa, aconselho tomar um avião para Nova York, Londres, Tóquio…
Dica 7: Esqueça os roteiros, o sertão não é a Disneylândia, use sua intuição, explore lugares desconhecidos, inove, se perca que com certeza você vai encontrar algo interessante. Mas o sertão que você vai ver depende mais de você, é feito e plasmado por você, depende da sua generosidade e da sua coragem (física e metafísica), pois o Rosinha já dizia: “Sertão: é dentro da gente”.
Foto: o burrinho na estrada Urucuia-Pintópolis. Urucuia, MG. Maio de 2022. M.A.
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