/FONTES PARA A SALA DE AULA # 20 – O Estado Novo – proclamação ao povo brasileiro

FONTES PARA A SALA DE AULA # 20 – O Estado Novo – proclamação ao povo brasileiro

FONTES PARA A SALA DE AULA # 20: O Estado Novo – proclamação ao povo brasileiro

Natureza e data do texto:

Discurso lido por Getúlio Vargas no Palácio Guanabara diante dos microfones do Departamento de Propaganda (embrião do DIP) e irradiado para todo o país, durante a Hora do Brasil, na noite de 10 de novembro de 1937. Nele, o presidente justifica o fechamento do Congresso (que amanheceu cercado por tropas do Exército) e a decretação de uma nova constituição, a qual, na verdade, já estava pronta desde abril. O Plano Cohen, divulgado em 30 de setembro, fornecera o pretexto ideal para o endurecimento do regime. No discurso, Getúlio esclarece os objetivos do novo regime. Para facilitar a análise, os parágrafos foram numerados.

“Proclamação ao povo brasileiro: o Estado Novo

1. […] Para reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país e garantir as medidas apontadas, não se oferecia outra alternativa além da que foi tomada, instaurando-se um regime forte, de paz, de justiça e de trabalho. Quando os meios de governo não correspondem mais às condições de existência de um povo, não há outra solução, senão mudá-los, estabelecendo outros moldes de ação.
2. A Constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionais da federação orgânica.
3. Circunstâncias de diversa natureza apressaram o desfecho deste movimento, que constitui manifestação de vitalidade das energias nacionais extra-partidárias. O povo o estimou e acolheu com inequívocas demonstrações de regozijo, impacientado e saturado por lances entristecedores da política profissional; o Exército e a Marinha o reclamaram como imperativo da ordem e da segurança nacional.
4. Ainda ontem, culminando nos propósitos demagógicos, um dos candidatos presidenciais mandava ler da tribuna da Câmara dos Deputados documento francamente sedicioso e o fazia distribuir nos quartéis das corporações militares, que, num movimento de saudável reação às incursões facciosas, souberam repelir tão aleivosa exploração, discernindo, com clareza, de que lado estavam, no momento, os legítimos reclamos da consciência brasileira.
5. Tenho suficiente experiência das asperezas do poder para deixar-me seduzir pelas suas exterioridades e satisfação de caráter pessoal; jamais concordaria, por isso, em permanecer à frente dos negócios públicos se tivesse de ceder quotidianamente às mesquinhas injunções da acomodação política, sem a certeza de poder trabalhar, com real proveito, pelo maior bem da coletividade.
6. Prestigiado pela confiança das forças armadas e correspondendo aos generalizados apelos dos meus concidadãos, só acedi em sacrificar o justo repouso a que tinha direito, ocupando a posição em que me encontro com o firme propósito de continuar servindo à Nação.
7. As decepções que o regime democrático trouxe ao país não se limitaram ao campo moral e político.
8. A economia nacional, que pretendera participar das responsabilidades do Governo, foi também frustrada nas suas justas aspirações. Cumpre restabelecer, por meio adequado, a eficácia da sua intervenção e colaboração na vida do Estado. Ao invés de pertencer a uma assembléia política, em que, é óbvio, não se encontram os elementos essenciais às suas atividades, a representação profissional deve constituir um órgão de cooperação na esfera do poder público, em condições de influir na propulsão das forças econômicas e de resolver o problema do equilíbrio entre o capital e o trabalho.
9. Considerando de frente e acima dos formalismos jurídicos a lição dos acontecimentos, chega-se a conclusão iniludível, a respeito da gênese política das nossas instituições: elas não corresponderam, desde 1889, aos fins para que se destinavam.
10. Um regime que, dentro dos ciclos prefixados de quatro anos, quando se apresentava o problema sucessório presidencial, sofria tremendos abalos, verdadeiros traumatismos mortais, dada a inexistência de partidos nacionais e de princípios doutrinários que exprimissem as aspirações coletivas, certamente não valia o que representava e operava, apenas, em sentido negativo.
11. Numa atmosfera privada de espírito público, como essa em que temos vivido, onde as instituições se reduziam às aparências e aos formalismos, não era possível realizar reformas radicais sem a preparação prévia dos diversos fatores da vida social.
12. Torna-se impossível estabelecer normas sérias e sistematização eficiente à educação, à defesa e aos próprios empreendimentos de ordem material, se o espírito que rege a política geral não estiver conformado em princípios que se ajustem às realidades nacionais.
13. Se queremos reformar, façamos, desde logo, a reforma política. Todas as outras serão consectárias desta, e sem ela não passarão de inconsistentes documentos de teoria política.
14. Passando do Governo propriamente dito ao processo da sua constituição, verificava-se, ainda, que os meios não correspondiam aos fins. A fase culminante do processo político sempre foi a da escolha de candidato à Presidência da República. Não existia mecanismo constitucional prescrito a esse processo. Como a função de escolher pertencia aos partidos e como estes se achavam reduzidos a uma expressão puramente nominal, encontravamo-nos em face de uma solução impossível, por falta de instrumento adequado. Daí, as crises periódicas do regime, pondo, quadrienalmente, em perigo a segurança das instituições. Era indispensável preencher a lacuna, incluindo na própria Constituição, o processo de escolha dos candidatos à suprema investidura, de maneira a não se reproduzir o espetáculo de um corpo político desorganizado e perplexo, que não sabe, sequer, por onde começar o ato em virtude do qual se define e afirma o fato mesmo da sua existência.
15. A campanha presidencial, de que tivemos, apenas, um tímido ensaio, não podia, assim, encontrar, como efetivamente não encontrou, repercussão no país. Pelo seu silêncio, a sua indiferença, o seu desinteresse, a Nação pronunciou julgamento irrecorrível sobre os artifícios e as manobras a que se habituou a assistir periodicamente, sem qualquer modificação no quadro governamental que se seguia às contendas eleitorais. Todos sentem, de maneira profunda, que o problema de organização do Governo deve processar-se em plano diferente e que a sua solução transcende os mesquinhos quadros partidários, improvisados nas vésperas dos pleitos, com o único fim de servir de bandeira a interesses transitoriamente agrupados para a conquista do poder.
16. A gravidade da situação que acabo de escrever em rápidos traços está na consciência de todos os brasileiros. Era necessário e urgente optar pela continuação desse estado de coisas ou pela continuação do Brasil. Entre a existência nacional e a situação de caos, de irresponsabilidade e de desordem em que nos encontravamos, não podia haver meio termo ou contemporização.
17. Quando a competição política ameaça degenerar em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração. A tanto havia chegado o país. A complicada máquina de que dispunha para governar-se não funcionava. Não existiam órgãos apropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos da sua vontade.
18. Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação: – a sua autoridade, dando-lhe os instrumentos de poder real e efetivo com que possa sobrepor-se às influências desagregadoras, internas ou externas; na sua liberdade, abrindo o plenário do julgamento nacional sobre os meios e os fins do Governo e deixando-a construir livremente a sua história e o seu destino.”

Fonte: VARGAS,Getúlio. A Nova Política do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1938. Vol. V, pp.28-32. Apud : FENELON,Dea Ribeiro. 50 Textos de História do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1974.