/FONTES PRIMÁRIAS PARA A SALA DE AULA 009 – Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro” desmoralizado por Lima Barreto

FONTES PRIMÁRIAS PARA A SALA DE AULA 009 – Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro” desmoralizado por Lima Barreto

FONTES PRIMÁRIAS PARA A SALA DE AULA 009 – Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro” desmoralizado por Lima Barreto

Natureza e data do texto: Triste fim de Policarpo Quaresma, publicado sob a forma de folhetim em 1911 e lançado em livro em 1915, é considerado por muitos a principal obra de Lima Barreto. O protagonista é um homem sincero e ingênuo cuja principal causa de ruína é acreditar no Brasil. Neste trecho, Quaresma vem à capital encontrar com o presidente Floriano Peixoto, em quem muita gente depositava esperanças por ser considerado um “homem forte”. LIma Barreto, que tinha simpatia pelo anarquismo, desmoraliza completamente o “Marechal de Ferro” que governou o Brasil por três anos (1891-1894). Quaresma era ingênuo, mas não era burro…

“Quaresma pôde então ver melhor a fisionomia do homem que ia enfeixar em suas mãos, durante quase um ano, tão fortes poderes, poderes de Imperador Romano, pairando sobre tudo, limitando tudo, sem encontrar obstáculo algum aos seus caprichos, às suas fraquezas e vontades, nem nas leis, nem nos costumes, nem na piedade universal e humana.
Era vulgar e desoladora. O bigode caído; o lábio inferior pendente e mole a que se agarrava uma grande ‘mosca’; os traços flácidos e grosseiros; não havia nem o desenho do queixo ou olhar que fosse próprio, que revelasse algum dote superior. Era um olhar mortiço, redondo, pobre de expressões, a não ser tristeza que não lhe era individual, mas nativa, de raça; e todo ele era gelatinoso – parecia não ter nervos.
(…)
Dessa preguiça de pensar e de agir, vinha o seu mutismo, os seus misteriosos monossílabos, levados à altura de ditos sibilinos, as famosas ‘encruzilhadas dos talvezes’ que tanto reagiram sobre a inteligência e imaginação nacionais, mendigas de heróis e grandes homens.
Essa doentia preguiça, fazia-o andar de chinelos e deu-lhe aquele aspecto de calma superior, calma de grande homem de Estado ou de guerreiro extraordinário.
(…)
Há uma outra face do Marechal Floriano que muito explica os seus movimentos, atos e gestos. Era o seu amor à família, um amor entranhado, alguma cousa de patriarcal, de antigo que já se vai esvaindo com a marcha da civilização.
Em virtude de insucessos na exploração agrícola de duas das suas propriedades, a sua situação particular era precária, e não queria morrer sem deixar à família as suas propriedades agrícolas desoneradas do peso das dívidas.
Honesto e probo como era, a única esperança que lhe restava, repousava nas economias sobre os seus ordenados. Daí lhe veio essa dubiedade, esse jogo com pau de dous bicos, jogo indispensável para conservar os rendosos lugares que teve e o fez atarraxar-se tenazmente à presidência da República. A hipoteca do ‘Brejão’ e do ‘Duarte’ foi o seu nariz de Cleópatra…
(…)
A sua concepção de governo não era o despotismo, nem a democracia, nem a aristocracia; era a de uma tirania doméstica. O bebê portou-se mal, castiga-se. Levada a cousa ao grande o portar-se mal era fazer-lhe oposição, ter opiniões contrárias às suas e o castigo não eram mais palmadas, sim, porém, prisão e morte. Não há dinheiro no Tesouro; ponham-se as notas recolhidas em circulação, assim como se faz em casa quando chegam visitas e a sopa é pouca: põe-se mais água.
Demais, a sua educação militar e a sua fraca cultura deram mais realce a essa concepção infantil, raiando-a de violência, não tanto por ele em si, pela sua perversidade natural, pelo seu desprezo pela vida humana, mas pela fraqueza com que acobertou e não reprimiu a ferocidade de seus auxiliares e asseclas.”

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma (3ª parte, cap. I: Patriotas)