/GRÉCIA – A luta entre Ajaz e Heitor: um exemplo perfeito de duelo entre heróis

GRÉCIA – A luta entre Ajaz e Heitor: um exemplo perfeito de duelo entre heróis

A LUTA ENTRE AJAZ E HEITOR, UM EXEMPLO PERFEITO DE DUELO ENTRE HERÓIS

“Ajaz, entrementes, o bronze vestira. Logo que o corpo ficou recoberto por toda a armadura, ei-lo que avança, como Ares terrível fazer tem por hábito, ao penetrar nas batalhas dos homens, que o filho de Crono uns contra os outros atira, em conflito de atroz extermínio.

Por esse modo avançava o baluarte dos fortes acaios, com um terrível sorriso no rosto, alternando passadas largas e firmes, e a lança de sombra comprida brandindo. Encorajados e alegres, os homens aqueus o contemplam; mas os troianos sentiram nos membros correr-lhes o Medo. Ao próprio Heitor, palpitou-lhe o viril coração no imo peito; mas impossível lhe fora recuar, ou acolher-se às fileiras dos companheiros, por ter sido o duelo proposto por ele. Como uma torre era o escudo que Ajaz sobraçava, todo ele de couro e bronze (…)

O grande Ajaz Telamônio, mantendo este escudo ante o peito, para defronte de Heitor e lhe diz em tom firme de ameaça:

‘Dentro de pouco hás de ver, grande Heitor, claramente, o que em luta de homem contra homem conseguem fazer os guerreiros acaios, ainda na ausência de Aquiles, o herói de coragem leonina. Mas esse, agora, se encontra nas naves recurvas e céleres, estomagado com o chefe dos heróis, o preclaro Agamémnone. Muitos e muitos dos nossos te podem fazer, por sem dúvida, frente em qualquer circunstância. Ora sus! iniciemos o duelo’.

Disse-lhe Heitor, em resposta, o guerreiro de casco ondulante:

‘Ó, grande Ajaz Telamônio, pastor muito ilustre de gentes, não me intimides assim, qual eu fosse criança indefesa, ou mulher fraca, que nada entendesse das coisas da guerra. Tenho bastante experiência de como prostrar o inimigo. Sei sustentar meu escudo de pele de boi tanto à destra como à sinistra, que é o modo de sempre lutar com bravura. Precipitar-me sei bem no tumulto dos céleres carros e, no combate a pé firme, dançar pela música de Ares. Por isso mesmo, não quero atacar com nenhuma artimanha um inimigo como és, mas, lealmente, tentar alcançar-te’.

Tendo isso dito, atirou-lhe a haste longa de sombra comprida, que foi no escudo terrível de Ajaz encravar-se, de sete couros de boi, transpassando a camada de fora, de bronze. Mais seis camadas de couro o metal, terebrante, atravessa, indo deter-se só na última. Atira, também, por seu lado, o Telamônio divino a hasta longa de sombra comprida, que foi bater bem no escudo redondo do filho de Príamo. A arma terrível o escudo de aspecto brilhante atravessa, indo encravar-se na cota de bela e variada textura, e interessando, também, junto ao flanco, a preciosa camisa. Ele, porém, se encurvou, escapando da lívida Morte.

Ambos, então, novamente arrancando a hasta longa de bronze, vão um para o outro, no jeito de leões voradores de carne, o javalis, que dotados não são de vigor despiciendo. Um golpe Heitor logo atira no meio do escudo redondo, sem que o furasse, porém, porque a ponta, no bronze, encurvou-se. O Telamônio, de um salto, a haste longa fincou-lhe no escudo, atravessando-o; obrigado se viu a recuar o troiano, com o pescoço esfolado, de forma que o sangue escorria.

Mas, nem assim, deixa Heitor de lutar, o guerreiro preclaro. Retrocedendo, com as mãos vigorosas agarra uma pedra áspera e escura que estava no campo, de enorme tamanho, e bem no meio do umbigo do escudo de Ajaz atirou-a, feito de sete camadas; o bronze ressoou fortemente. O Telamônio, porém, um penedo maior do chão pega e, redemoinhando, lançou-o com força infinita contra o outro (…)

Dobra os joelhos Heitor, que no solo caiu ressupino, sem que do escudo largasse. Endireita-o, porém, Febo Apolo.

Ambos, então, das espadas sacando, se aprestam de novo; mas os arautos, que são mensageiros de Zeus e dos homens, se interpuseram, Ideu, pelos Troas valentes; Taltíbios pelos acaios vestidos de bronze, ambos eles sensatos.”

Ilíada, VII, 206-302

 

 

Ilíada, VII, 206-303