14. O sapo e o mestre
Outra do samba de roda, outra de Santo Amaro. Mestre Carcará é um conhecido e respeitado mestre de capoeira, famoso por seu estilo disciplinador e rígido. Afinal ninguém ganha o apelido de Carcará à toa. Aos 60 anos ainda é um homem muito forte, um negro atarracado e musculoso. Eu travei contato com ele quando ele me pediu que fotografasse um evento de capoeira que ele estava organizando.
Dias depois, uma noite estávamos no pátio da Casa do Samba conversando quando o mestre me surpreendeu com um pedido, feito com sua voz grave e imperiosa:
– Marcos!
– Sim, mestre
– Tá vendo aquele sapo, Marcos?
Era um sapo imenso, conhecido na região por sapo-gamela
– Tou vendo sim, mestre, por que?
– Eu não gosto de sapo, Marcos. Tira esse sapo daqui, Marcos.
– Tá certo, mestre
E lá fui eu espantar o sapo, que gentilmente se retirou
Mas eis que aparece outro sapo:
– Tem outro sapo, Marcos!
– Eu vou lá, mestre
E ele, meio apavorado mas sem perder a pose:
– Mata esse sapo, Marcos
– Matar eu não mato não, mestre, mas vou lá espantar
E mais uma vez o batráquio se retira sem problemas
Eu achei tanta graça naquilo que fiz até um samba de roda:
O Sapo e o Mestre
“Olha o sapo, olha o sapo (cantado rapidamente, em tom de alerta)
Olha o sapo gamela,
Pulou a janela,
Mestre Carcará,
O sapo vai lhe pegar
Olha o sapo, olha o sapo
Olha o sapo gamela,
Pulou a janela,
Mestre Carcará,
O sapo vai lhe pegar
Eu sou capoeira
Com dez eu aguento
Mas esse sapo
Eu não enfrento
E por aí vai…
O samba arrancou risadas dos meus amigos de Santo Amaro. Mas não tive coragem de cantá-lo pra Mestre Carcará não…
Marcos Alvito. Histórias do samba: de João da Baiana a Zeca Pagodinho. São Paulo: Matrix, 2013.