/HISTÓRIAS DO SAMBA – 57. A descoberta de Batatinha

HISTÓRIAS DO SAMBA – 57. A descoberta de Batatinha

  1. A descoberta de Batatinha

 

Hoje em dia todo mundo “baixa” música da Internet. No tempo em que ainda havia lojas de CD o templo da música era a Modern Sound, na Barata Ribeiro, em Copacabana. Por vezes eu ficava horas xeretando as bancadas da loja, pescando pérolas, desde discos antológicos relançados até Cds desconhecidos. Uma das minhas maiores descobertas aconteceu no longínquo ano de 2000.

 

“Se eu deixar de sofrer, como é que vai ser, para me acostumar. Se tudo é carnaval, eu não devo chorar, pois eu preciso me encontrar”. Lembro de Maria Bethânia cantando essa música com sua voz anasalada em um disco que minha mãe adorava. A música era de um compositor baiano chamado Batatinha. Foi um CD de Batatinha que desencavei em uma incursão à Modern Sound.

Nele descobri uma mistura de Cartola, Noel e Dorival Caymmi, na falta de melhor definição. A sensibilidade poético-musical de Cartola, lapidada pela dor, em pérolas como: “Sofrer também é merecimento”, “É proibido sonhar, então me deixe o direito de sambar” e por aí vai. De Noel, a inteligência e o humor: “Mas a cabrocha é boa, apesar de ser coroa, mas o Jajá da Gamboa é o dono da situação”, sem falar na filosofia… Por fim, como bom baiano, a malemolência-zen no melhor estilo Dorival Caymmi, a sábia simplicidade e um não sei que.

O próprio Batatinha canta docemente a maioria das faixas, contando ainda com convidados de peso: Gil, Caetano, Bethânia, Chico Buarque e a belíssima voz de Jussara Silveira. O CD, chamado com toda a leveza de Diplomacia, saiu em 98 e eu só fiquei sabendo dois anos depois. Pensei: como é que pode, que país pode se dar ao luxo de desconhecer um gênio desses ?

 

Mas não me acusem de merchandising: foi o último CD de Batatinha, que não teve a alegria de ouvi-lo. Nós, reles mortais, “comedores de pão”, como versava Homero, temos esse privilégio.