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HISTÓRIAS DO SAMBA – 21. Samba-zen

  1. Samba-zen

 

Sambistas são um pouco como surfistas, sempre em busca da onda perfeita. O melhor de todos os sambas. Onde ? Quando ? Em qualquer lugar, a qualquer hora. Pode ser numa segunda-feira na Pedra do Sal, num bar deserto em Paraty, numa aldeia de pescadores no Recôncavo Baiano ou em meio a uma inesperada falta de luz em Ilha Grande.

Certa vez, subindo uma ladeira de Santa Teresa, esbarrei com o cavaco de Seu Doca, 76 anos a serviço do samba. Tinha ouvido exigente, zeloso da harmonia entre o canto das cordas vocais e o choro das cordas do seu instrumento. O samba perfeito pode ter apenas um violão e um mal-tocado pandeiro (por este que vos escreve), um toco de vela servindo de refletor, mas uma animação crescente, à medida que o nível da garrafa de genebra decresce…

Não tem hora pra começar, muito menos pra acabar. É bem democrático: todo mundo pede o que quiser, mas é também bíblico, pois muitos serão os chamados e poucos os escolhidos… Nele todos são importantes, nem que seja pra lembrar aquele versinho que ficou faltando na memória do cantor da vez, ou para que os sambistas cantem de olhos fechados, mas de olho naquela morena faceira.

Não se pense que este samba é sem regras: há que saber chegar, pedindo licença e dando boa noite; é bom só sacar do instrumento depois de solicitado e tocar baixinho ou, pelo menos, mais baixo que os outros. E não se fazer de rogado na sua vez de puxar a roda, caprichando na escolha das músicas, mas logo passar a bola, porque todo mundo gosta de cantar, mesmo sem microfone.

É bom saber ouvir Tia Zilda, voz afinada e cortante de pastora, desencavando sambas belíssimos e ficar feliz por existirem tantos sambas que desconhecemos. E saber que o melhor de todos os sambas é uma dádiva dos deuses e deve ser aproveitado enquanto tal, uma oportunidade única que jamais se repetirá, pois ele é que nem o rio de Heráclito…

Mas não se esqueça de levar o pandeiro, ou o tamborim, ou de pelo menos aprender aquele samba do Zé Ketti que diz assim: “Se alguém perguntar por mim, diz que eu fui por aí…”

 

Esta humilde história é dedicada a Seu Doca, cujo cavaco agora só é ouvido no segundo andar.