- Noel e o pé de artista
Por falar em Noel e por falar em roupa, uma história exemplifica bem a maneira de ser do compositor da Vila. O primeiro instrumento de Noel foi o bandolim, mas logo ele passou para o violão, no qual ele se tornou um craque. Com isso, começou a ser convidado para compor diversos grupos musicais. O mais famoso deles foi o Bando de Tangarás, liderado por Almirante, que depois viria a ser o biógrafo mais importante de Noel e um importantíssimo pesquisador da música popular brasileira.
O Bando de Tangarás era formado por meninos de classe média da Tijuca, meio envergonhados de serem músicos e apavorados com a ideia de serem confundidos com a “ralé”, o que diz bastante sobre como era visto o samba à época. Um deles, o hoje consagrado Braguinha, usava até o pseudônimo de João de Barro.
Para marcar sua distinção, o Bando dos Tangarás recusava-se a receber pelas apresentações e todos pagavam a passagem do próprio bolso. Isso até 1931, quando são convidados para uma apresentação paga no Cine Eldorado. Há um racha no grupo e alguns membros se retiram, indignados. Noel, que não tinha nada contra receber um dinheirinho, é convocado como substituto.
A norma do grupo era se apresentarem com elegantes ternos escuros. Noel aparece com seu único terno, uma ruína, e ainda por cima listrado e um par de sapatos imundo que testemunhava os passeios de Noel por toda a cidade.
Almirante, o líder do grupo, exigiu que Noel viesse de roupa nova e sapatos imaculados para a próxima apresentação. Noel não tinha dinheiro, mas tinha bossa, palavra, aliás, imortalizada por ele em Coisas Nossas:
O samba, a prontidão
E outras bossas,
São nossas coisas,
São coisas nossas!
Não se fez de rogado: no dia seguinte apareceu com um canônico terno escuro, impecável. Na platéia, um fã de Noel envergava o infame terno listrado, feliz por estar sentado em um lugar privilegiado em troca do qual emprestara sua elegante roupa ao compositor.
O problema do sapato sujo foi solucionado ainda mais facilmente: Noel mandou limpar apenas o pé esquerdo, que aparecia mais para a platéia. Com sua ironia inigualável, Noel o chamava de o “pé de artista”.