37. Noel, Patrono dos lisos
Não há ninguém que tenha cantado tanto a “dureza” e com tanto bom-humor quanto Noel Rosa, o que faz dele um verdadeiro patrono dos lisos, dos tesos, em suma, daqueles que ele chamava de “sem-vintém”. O poeta da Vila, com seus dons proféticos, parecia estar descrevendo a situação dos professores no Brasil em O orvalho vem caindo: “Tenho passado tão mal/ a minha cama é uma folha de jornal/ meu cortinado é um vasto céu de anil/ e o meu despertador é um guarda-civil (que o salário ainda não viu) (…) Se um dia passo bem/ dois e três passo mal”. Mas há solução, claro que há.
É preciso que os professores não percam a banca: “Nesta prontidão sem fim/ Vou fingindo que sou rico/ pra ninguém zombar de mim”(Filosofia). Eventualmente, na maior classe, pode-se cobrar uma dívida antiga: “Estimo que este mal traçado samba/ em estilo rude na intimidade/ vá te encontrar gozando saúde/ na mais completa felicidade (junto dos teus, confio em Deus)/ em vão te procurei/ notícias tuas, não encontrei/ eu hoje sinto saudades daqueles 10 mil-réis que te emprestei” (Cordiais Saudações).
Na situação inversa, isto é, às voltas com credores, pode-se dizer, com firmeza: “Eu devo, não quero negar/ mas te pagarei como puder/ se o jogo permitir/ se a polícia consentir/ e se Deus quiser” (Malandro Medroso). É, “pra quem é pobre a vida é dura” (Nunca… Jamais…).
Mas não devemos nos desesperar, não adianta culpar nem apelar pro além: “Faz três semana que tou comendo banana/ só porque eu não tenho grana nem pra almoçar (…) isso é despacho, nunca tive tão por baixo (…) quero ver se me enveneno pra comer no outro mundo” (Faz três semana). O pior é não poder pagar as contas: “De que maneira eu vou me arranjar/ pro senhorio não me despejar/ pois eu hoje saí do plantão/ sem tostão, sem tostão” (Sem tostão).
Mas sempre nos resta a cabeça erguida, a consciência tranqüila, a certeza da luta justa, ao contrário daqueles para os quais Noel já cantava: “Você tem palacete reluzente/ tem jóias e criado à vontade/ sem ter nenhuma herança nem parente/ só anda de automóvel na cidade/ e o povo já pergunta com maldade/ está a honestidade?/ onde está a honestidade?” (Onde está a honestidade). Dinheiro não compra bom-humor, mas aceitamos depósitos na conta do nosso editor…
Esta história é uma humilde homenagem que faço à maltratada classe profissional à qual pertenço.