/HISTÓRIAS DO SAMBA – 40. Julinha cor de cinza

HISTÓRIAS DO SAMBA – 40. Julinha cor de cinza

  1. Julinha cor de cinza

Noel Rosa também era de se apaixonar, mas não por recatadas e imaginárias mocinhas mineiras. Ele tinha uma queda pelas mulheres do digamos “mundo artístico”. Julinha era uma loura oxigenada que ganhava a vida como atriz em revistas de teatro no interior, fazendo excursões com circos e arranjando-se em pensões mal-afamadas. Ela e Noel costumavam encontrar-se em um barracão na Penha, no melhor estilo “um amor e uma cabana”. Noel registrou esse fato na sua maravilhosa parceria com Vadico, Feitio de Oração:

 

“Por isso agora

Lá na Penha eu vou mandar

Minha morena pra cantar

Com satisfação

E com harmonia

Esta triste melodia

Que é meu samba

Em feitio de oração.”

 

Julinha conquistara de tal maneira o coração de Noel que ele mandou trazê-la para mais perto, facilitando os encontros amorosos. Só que a Julinha gostava de entornar e depois que bebia virava o bicho. Tentou se afogar num riacho do Passeio Público e não conseguiu.

Em meio a uma briga, quebrou o violão de Noel e de outra feita tomou veneno. Não morreu, muito pelo contrário, foi imortalizada, mas não mencionada, na triste e poética Cor de Cinza, em que Noel relata a aflição que lhe causou a visão da amada sendo levada pela ambulância:

 

“Com seu aparecimento

Todo céu ficou cinzento

E São Pedro zangado

Depois, um carro de praça

Partiu e fez fumaça

Com destino ignorado

 

Não durou muito a chuva

E eu achei uma luva

Depois que ela desceu

A luva é um documento

Com que provo o esquecimento

Daquela que me esqueceu

 

Ao ver um carro cinzento

Com a cruz do sofrimento

Bem vermelha na porta

Fugi impressionado

Sem ter perguntado

Se ela estava viva ou morta

 

A poeira cinzenta

Da dúvida me atormenta

Nem sei se ela morreu

A luva é um documento

De pelica e bem cinzento

Que lembra quem me esqueceu”