- Julinha cor de cinza
Noel Rosa também era de se apaixonar, mas não por recatadas e imaginárias mocinhas mineiras. Ele tinha uma queda pelas mulheres do digamos “mundo artístico”. Julinha era uma loura oxigenada que ganhava a vida como atriz em revistas de teatro no interior, fazendo excursões com circos e arranjando-se em pensões mal-afamadas. Ela e Noel costumavam encontrar-se em um barracão na Penha, no melhor estilo “um amor e uma cabana”. Noel registrou esse fato na sua maravilhosa parceria com Vadico, Feitio de Oração:
“Por isso agora
Lá na Penha eu vou mandar
Minha morena pra cantar
Com satisfação
E com harmonia
Esta triste melodia
Que é meu samba
Em feitio de oração.”
Julinha conquistara de tal maneira o coração de Noel que ele mandou trazê-la para mais perto, facilitando os encontros amorosos. Só que a Julinha gostava de entornar e depois que bebia virava o bicho. Tentou se afogar num riacho do Passeio Público e não conseguiu.
Em meio a uma briga, quebrou o violão de Noel e de outra feita tomou veneno. Não morreu, muito pelo contrário, foi imortalizada, mas não mencionada, na triste e poética Cor de Cinza, em que Noel relata a aflição que lhe causou a visão da amada sendo levada pela ambulância:
“Com seu aparecimento
Todo céu ficou cinzento
E São Pedro zangado
Depois, um carro de praça
Partiu e fez fumaça
Com destino ignorado
Não durou muito a chuva
E eu achei uma luva
Depois que ela desceu
A luva é um documento
Com que provo o esquecimento
Daquela que me esqueceu
Ao ver um carro cinzento
Com a cruz do sofrimento
Bem vermelha na porta
Fugi impressionado
Sem ter perguntado
Se ela estava viva ou morta
A poeira cinzenta
Da dúvida me atormenta
Nem sei se ela morreu
A luva é um documento
De pelica e bem cinzento
Que lembra quem me esqueceu”