- Trem de paulista
O samba é uma linguagem que pode ser aprendida por pessoas de diferentes origens. Um dos sambistas mais improváveis foi o filho de italianos João Rubinato, que depois de ser gongado em vários programas de calouros achou que o seu problema estava no nome, que mudou para Adoniran Barbosa. Adoniran compôs o imortal Trem das Onze, que conta uma história aparentemente imprópria para um samba: um rapaz que tem que deixar a companhia da namorada para que sua mãe não fique preocupada. É, no mínimo, um samba edipiano.
Quando Adoniran apresentou a música aos seus velhos parceiros dos Demônios da Garoa, a reação foi ruim. O vocalista do grupo, metido a galã, detestou Trem das Onze e, quando foi obrigado a cantar a música pela primeira vez o fez de costas para o público, porque não queria estragar seu cartaz com as suas tietes.
No Rio, a música caiu no gosto do povo no carnaval de 1965, ajudada por um padrinho poderoso, nada mais nada menos do que Chacrinha, que convidou os Demônios da Garoa ao seu programa várias vezes. Mais do que isso, Trem das Onze ganhou o Concurso Oficial de Músicas Carnavalescas do Rio de Janeiro. Com direito a um polpudo cheque de dois milhões de cruzeiros entregue pelo governador Carlos Lacerda.
A cidade completava 400 anos premiando um sambista paulistano. Tinha gente que não acreditava, um samba tão bem sucedido não podia ser de um paulista. Sérgio Porto defendia Adoniran e achava Trem das Onze um “samba legalzinho”, mas não ia perder a chance de fazer a piada, logo inventando um diálogo imaginário “entre dois crioulos”:
“Um dos crioulos disse pro outro que o samba Trem das Onze era paulista, e, como o outro não acreditasse, lascou a prova definitiva:
– Mora na letra, velhinho, que tu vê que o samba é paulista. Donde que o cara ia fazer um samba com uma letra dessas, em que o cara larga a mulher pra ir tomar conta de casa?”