/MATERIAIS PARA A SALA DE AULA # 002 – Cronologia de Canudos

MATERIAIS PARA A SALA DE AULA # 002 – Cronologia de Canudos

MATERIAIS PARA A SALA DE AULA # 002 – Cronologia de Canudos

1828 : Nasce Antônio Vicente Mendes Maciel (Antônio Conselheiro) em Quixeramobim, no CE, filho de pequeno comerciante, que tencionava encaminha-lo ao sacerdócio e deu-lhe estudos em português, latim e francês;

1857 : casa-se na sua cidade natal

1861 : Transfere-se para Ipu e trabalha como advogado dos pobres; abandona a mulher ao surpreendê-la com um amante; segue para o Crato, acompanhando missionários evangelizadores e ganhando a vida como vendedor ambulante e negociante de aguardente;

1874 : aparece esmolando em Itabaiana, seguido pelos primeiros fiéis, um dos quais carregava um ‘oratório tosco’; nesse período, talvez tenha acompanhado missionários estrangeiros ou o Padre Mestre Ibiapina (que percorria o sertão criando casas de caridade, construindo cemitérios, capelas, igrejas e açudes)

1876 : Antônio Conselheiro entra no sertão baiano e na vila de Itapicuru de Cima “obrigou as mulheres a cortar os cabelos e a queimar xales, sapatos e objetos de luxo condenados pela religião”

1877 : (Notícia publicada na famosa folhinha Laemmert no RJ em 1877, citado por Euclides da Cunha em Os Sertões; )
“Apareceu no sertão do Norte um indivíduo, que se diz chamar Antônio Conselheiro, e que exerce grande influência no espírito das classes populares servindo-se do seu exterior misterioso e costumes ascéticos, com que impõe à ignorância e à simplicidade. Deixou crescer a barba e cabelos, veste uma túnica de algodão e alimenta-se tenuamente, sendo quase uma múmia. Acompanhado de duas professas, vive a rezar terços e ladainhas e a pregar e a dar conselho às multidões, que reúne, onde lhe permitem os párocos; e movendo sentimentos religiosos, vai arrebanhando o povo e guiando-o a seu gosto. Revela ser homem inteligente, mas sem cultura.”

1882 : Tensões na alta hierarquia do clero baiano; em 1882 o arcebispo da BA, envia uma carta circular aos párocos na qual dizia:
‘Chegando ao nosso conhecimento, que pelas freguesias do centro desse arcebispado, anda um indivíduo denominado Antônio Conselheiro, pregando ao povo, que se reúne para ouvi-lo, doutrinas supersticiosas e uma moral excessivamente rígida com que está perturbando as consciências e enfraquecendo, não pouco, a autoridade dos párocos destes lugares, ordenamos a V.Revma., que não consinta em sua freguesia semelhante abuso (…) visto como, competindo na igreja católica, somente aos ministros da religião, a missão santa de doutrinar os povos, um secular, quem quer que ele seja, ainda quando muito instruído e virtuoso, não tem autoridade para exercê-la.’

1887 : O arcebispo da Bahia pede providências às autoridades estaduais contra Antônio Conselheiro, que seg. a autoridade religiosa pregava “doutrinas subversivas, fazendo grande mal à religião e ao Estado (…) insurgindo-se contra as autoridades constituídas, às quais não obedecia e manda desobedecer”; o Conselheiro foge da Bahia e chega a ser preso em Recife mas é solto; ao retornar à Bahia, alguns padres, devido às proibições do arcebispo, não consentiam que ele pregasse, o que leva a seu isolamento.

1893 : ano em que A.Conselheiro teria começado a pregar contra a República segundo E.Cunha; queima dos editais de impostos em B.Conselho; 30 praças são enviados para prendê-lo, sem o beato foge para Canudos (uma velha fazenda de gado), no sertão baiano;
– Logo a vinda de Antônio Conselheiro, para aquele lugar “cingido de montanhas, onde não penetraria a ação do governo maldito” (E.C.), atrai levas de populares. Segundo o Barão de Geremoabo, citado por E.C.:
“Alguns lugares desta comarca e de outras circunvizinhas, e até do Estado de Sergipe ficaram desabitadas, tal a aluvião de famílias que subiam para os Canudos, lugar escolhido por Antônio Conselheiro para o centro de suas operações. Causava dó verem-se expostos à venda nas feiras, extraordinária quantidade de gado cavalar, vacum, caprino, etc., além de outros objetos, por preços de nonada, como terrenos, casas, etc. O anelo extremo era vender, apurar algum dinheiro e ir reparti-lo com o Santo Conselheiro”
Não sabemos quais eram exatamente as críticas do Conselheiro à República nesta época, mas, anos mais tarde, em Canudos, ele falava assim aos fiéis:
‘é impotente o poder humano para acabar com a religião. O presidente da República, porém, movido pela incredulidade que tem atraído sobre ele toda sorte de ilusões, entende que pode governar o Brasil como se fora um monarca legitimamente constituído por Deus; tanta injustiça os católicos contemplam amargurados. Oh! (…) é necessário que se sustente a fé da Igreja. A religião santifica tudo e não destrói coisa alguma, exceto o pecado. Daqui se vê que o casamento civil ocasiona a nulidade do casamento, conforme manda a santa madre Igreja de Roma, contra a disposição mais clara do seu ensino.’
Diz-se, que no arraial,
‘cada família tinha o direito de conservar sua criação e roçado. No ato da chegada, cada um entregava metade do que possuía. Os desvalidos eram alimentads. Os demais viviam do seu trabalho. Conselheiro recebia esmolas que lhe chegavam de vários pontos da Bahia e de outros estados. Conseguia adquirir gêneros alimentícios a baixos preços. Circulava dinheiro do Império e da República (…) Havia também uma espécie de vale, impresso e garantido por Antônio Vilanova, que era proprietário de uma casa comercial em Canudos. Esse vale tinha franca aceitação nas localidades vizinhas. Os ladrões eram presos e enviados às autoridades baianas. As meretrizes eram deportadas. Não se permitia o uso de cachaça. Os que viviam em concubinato eram casados por ocasião das visitas do Padre Sabino, vigário de Cumbe, que tinha casa em Canudos, onde celebrava, casava e batizava na própria igreja construída por Conselheiro’.
– Embora seja impossível determinar a população do arraial, pelo número de casas destruídas em 1897 (5.200), calcula-se que lá viviam cerca de 30 mil pessoas; a cidade era chamada de Belo Monte e nela havia a seguinte hierarquia:
i. O Conselheiro
ii. Sub-chefes como
– João Abade, comandante de rua (segurança e guerra)
– Antônio Vilanova, escrivão de casamentos (assuntos civis e administrador do patrimônio)
– Antônio Beatinho, assessorado por 8 beatas, ajudava o chefe nas práticas religiosas
iii. Companhia do Bom Jesus, Guarda Católica ou Santa Companhia do Bom Jesus: 800 homens e duzentas mulheres formavam um corpo especial com os crentes mais dedicados que se despojavam de tudo, formando uma irmandade ou confraria; juntamente com os mais ricos, os componentes da Cia habitavam em verdadeiras casas, cobertas de telhas e próximas das igrejas;
iv. Nos ranchos, o restante da população; antes que a repressão aumentasse, o comércio com as cidades vizinhas era intenso e havia alguns comerciantes prósperos;
– O Conselheiro governava o arraial com mão-de-ferro segundo Euclides da Cunha:
“Polícia de bandidos
Graças a seus braços fortes, Antônio Conselheiro dominava o arraial, corrigindo os que saíam das trilhas demarcadas. Na cadeia ali paradoxalmente instituída – a poeira, no dizer dos jagunços – viam-se, diariamente, presos pelos que haviam cometido a leve falta de alguns homicídios os que haviam perpetrado o crime abominável de faltar às rezas.
Inexorável para as pequenas culpas, nulíssima para os grandes atentados, a justiça era, como tudo o mais, antinômica, no clã policiado por facínoras. Visava uma delinquência especial, traduzindo-se na inversão completa do conceito do crime. Exercitava-se, não raro duramente, cominando penas severíssimas sôbre leves faltas.
O uso da aguardente, por exemplo, era delito sério. Ai! do dipsomaníaco incorrigível que rompesse o interdito imposto !
Conta-se que de uma feita alguns tropeiros inexpertos, vindos do Juazeiro, foram ter a Canudos, levando alguns barris do líquido inconcensso. Atraía-os o engôdo de lucro inevitável. Levavam a eterna cúmplice das horas ociosas dos matutos. Ao chegarem, porém, tiveram, depois de descarregarem na praça a carga valiosa, desagradável surpresa. Viram, ali mesmo, abertos os barris, a machado, e inutilizado o contrabando sacrílego. E volveram rápidos, desapontados, tendo às mãos, ao invés do ganho apetecido, o ardor de muitas dúzias de palmatoadas, amargos bolos com que os presenteara aquela gente ingrata.
Este caso é expressivo. Sólida experiência ensinara ao Conselheiro todos os perigos que adviriam dêste hachich nacional. Interdizia-o menos por debelar um vício que para prevenir desordens. Mas fora do povoado, estas podiam espalhar-se à larga. Dali partiam bandos turbulentos arremetendo com os arredores. Tôda a sorte de tropelias eram permitidas, desde que aumentassem o patrimônio da grei. Em 1894, as algaras, chefiadas por valentões de nota, tornaram-se alarmantes. Foram em um crescendo tal, de depredações e desacatos, que despertaram a ação dos poderes constituídos, originando mesmo calorosa e inútil discussão na Assembléia Estadual da Bahia.”

1895 :Dois capuchinhos italianos, a mando do arcebispo da BA, entram no arraial com a missão de dispersar o povo; Conselheiro os recebe e permite que ministrem os sacramentos, mas opõe-se à sua missão política; No relatório dos religiosos eles dizem:
“Conselheiro justificava os homens armados que mantinha à sua volta por necessidade de sua defesa, dizendo: ‘No tempo da monarquia deixei-me prender porque reconhecia o governo; hoje não, porque não reconheço a República;
Os aliciadores da seita se ocupam em persuadir o povo de que todo aquele que quiser se salvar precisa vir para Canudos, porque nos outros lugares tudo está contaminado e perdido pela República; ali, porém, nem é preciso trabalhar; é a terra da promissão, onde corre um rio de leite, e são de cuscuz de milho as barrancas;
Desconhece as autoridades eclesiásticas, sempre que de algum modo lhe contrariam as idéias, ou os caprichos; e arrastando por esse caminho os seus infelizes sequazes, consente ainda que eles lhes prestem homenagens que importam em culto, e propalem em seu nome doutrinas subversivas da ordem, da moral e da fé.
A seita político-religiosa, estabelecida e entrincheirada em Canudos, não é só um foco de superstição e fanatismo e um pequeno cisma na igreja baiana; é, principalmente, um núcleo, na aparência desprezível, mas um tanto perigoso e funesto de ousada resistência e hostilidade ao governo constituído no país. Encarado o arrojo das pretensões e a soberania dos fatos, pode-se dizer que é aquilo um estado no Estado: ali não são aceitas as leis, não são reconhecidas as autoridades, não é admitido à circulação o próprio dinheiro da República.’

1896 :
outubro – um juiz de Joazeiro embarga compra de madeira feita por Conselheiro para a nova igreja do arraial; o governador, pressionado, envia 100 praças, que são cercados por mais de 1000 ‘jagunços’ conselheiristas sucesso (1a. expedição contra Canudos); a população de Salvador pede o sangue do Conselheiro;
10 de novembro – afastamento do presidente P.Moraes por motivo de doença, assumindo o seu vice, o florianista Manoel Vitorino, que busca apoio nos militares dissidentes que vêem em Canudos uma ameaça monarquista;
dezembro – envio da 2ª expedição contra Canudos com 543 praças, 14 oficiais, 3 médicos, 2 canhões Krupp e duas metralhadoras (melhor equipamento da época); derrota fragorosa; retirada de feridos e famintos por 200 km de sertão; o arraial aumenta enormemente em apenas 3 semanas; cresce o ânimo militarista contra Canudos e o jacobinismo exige o fim de Canudos em nome da memória de Floriano; M.César, que batera os federalistas no RS é o herdeiro do sentimento militarista;

1897 :
3 fevereiro – embarque para a BA da 3ª expedição contra Canudos em clima de grande entusiasmo c/1300 combatentes, 15 milhões de cartuchos e 70 tiros de artilharia; chegam a Canudos em março, sedentos e famintos (levaram bomba artesiana) e tentam atacar direto, à baioneta; derrota causa comoção nacional e aquilo parece a ponta do iceberg de uma conspiração restauradora (monarquista); no Rio de Janeiro, a massa excitada pela propaganda nacionalista e republicana quebra redações e tipografias de 3 jornais tidos como monarquistas; atacam e matam monarquistas criando situação anárquica; governadores de Estado, congressistas, todos pedem vingança;
4 de março – o presidente Prudente de Moraes reassume o cargo
junho – formada a 4ª expedição contra Canudos, para redimir a ‘honra nacional’; formada por 2 colunas com mais de 5 mil homens e preparada minuciosamente; no decorrer da luta, seus contingentes receberão reforços de 4 mil homens;

5 de outubro – Assim foi o fim de Canudos segundo Euclides da Cunha:

“Canudos não se rendeu
Fechemos este livro.
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.
Forremo nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê lo. Esta página, imaginamo la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo la vacilante e sem brilhos.
Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem. . .
Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos…
E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho, que se nos entregara, confiante — e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa História ?
Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas.

O cadáver do Conselheiro
Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro.
Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam desparzido algumas flores murchas, e repousando sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do “famigerado e bárbaro” agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefato, e esquálido, olhos fundos cheios de terra — mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida.
Desenterraram no cuidadosamente. Dádiva preciosa — único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra ! — , faziam se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo se a uma massa angulhenta de tecidos decompostos.
Fotografaram no depois. E lavrou se uma ata rigorosa firmando a sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal, extinto aquele terribilíssimo antagonista.
Restituíram no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua cabeça tantas vezes maldita — e, como fora malbaratar o tempo exumando o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou lha; e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores…
Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura…”

novembro – quando o presidente passava em revista as tropas vencedoras em Canudos, sofre um atentado por parte de Marcelino Bispo, suboficial do exército; o presidente escapa, mas morre o Ministro da Guerra, o Marechal Bittencourt; o atentado não é assumido por nenhuma corrente política, mas dá força moral e política para que o governo consiga o estado de sítio e passe a perseguir seus adversários, iniciando o domínio paulista;

Os Sertões (Edeor de Paula, Em Cima da Hora):

Marcado pela própria natureza
O nordeste do meu Brasil
Ó solitário sertão
De sofrimento e solidão
A terra é seca
Mal se pode cultivar
Morrem as plantas
E foge o ar
A vida é triste nesse lugar

Sertanejo é forte
Supera a miséria sem fim
Sertanejo homem forte
Dizia o poeta assim

Foi no século passado
No interior da Bahia
O homem revoltado
Com a sorte
No mundo em que vivia
Ocultou-se no sertão
Espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei
Que a sociedade oferecia

Os jagunços lutaram
Até o final
Defendendo Canudos
Naquela guerra fatal

Foto: Uma casa em Canudos