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MATERIAIS PARA A SALA DE AULA # 006 – Casa Grande e Senzala – Diferentes avaliações

MATERIAIS PARA A SALA DE AULA # 006: Casa Grande e Senzala – Diferentes avaliações

Natureza e data do texto: À época em que foi publicado, em 1933, Casa Grande e Senzala era um livro revolucionário, pois reconhecia a importância da contribuição indígena e sobretudo africana na formação da cultura brasileira. Posteriormente, passou a ser cada vez mais questionado, sobretudo por conta dos posicionamentos políticos tomados por Gilberto Freyre à época da ditadura militar. Temos aqui um conjunto de avaliações, favoráveis e desfavoráveis, mas que demonstram a importância perene de Casa Grande e Senzala para uma história da cultura brasileira.

“A geração de Gilberto Freyre foi surpreendida por esse processo de rápidas mudanças. Seus representantes viram o crescimento das novas usinas que substituíam os tradicionais engenhos de açúcar. Observaram um grande número de outras indústrias sendo construídas no sul. Descobriram um novo problema social: a classe operária. Viram os filhos de imigrantes tornarem-se empresários e os membros da ‘aristocracia’ tradicional ocuparem posições insignificantes. Confrontaram um novo estilo de vida e de política e não ficaram muito satisfeitos com o que viram. (…) Os paulistas (a versão brasileira do Yankee) aparentavam estar comprometidos com o progresso; aparentavam ter zombado de suas tradições, rompido com o passado. Gilberto Freyre escreveria a epopéia de Casa Grande e Senzala. Revelaria a tradição senhorial de uma maneira simpática. Engajar-se-ia numa ‘proustiana’ busca do tempo perdido**. Mostraria ao Yankee brasileiro e ao Yankee real os aspectos positivos de sua tradição. Nada parecia mais oportuno do que falar a respeito da democracia racial brasileira, especialmente num momento em que negros organizavam uma Frente Negra para lutar pela melhoria de suas condições de vida.
O problema era que com a gradual derrocada do sistema de clientela e patronagem e com o desenvolvimento de um sistema competitivo tornava-se mais difícil para negros e brancos evitar situações em que o preconceito e a discriminação tornar-se-iam visíveis. Se a manifestação de preconceito era basicamente incompatível com o velho sistema de clientela e patronagem, numa sociedade competitiva ela transformava-se num instrumento natural usado pelos brancos contra os negros. Os brancos tornaram-se mais conscientes de suas atitudes preconceituosas, uma vez que tinham que confrontar os negros em lugares que eles raramente freqüentavam antes (clubes, teatros, universidades e hotéis da classe superior) ou em momentos em que tinham que tratar, face a face, com um negro ‘agressivo’, ‘arrogante’ que não cumpria seu papel de acordo com as expectativas tradicionais de humildade e subserviência. Os próprios negros constataram, quando tiveram que competir por empregos e posições no mercado de trabalho sem o amparo de um patrão branco, que estavam submetidos à discriminação.” (VIOTTI DA COSTA,Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo:Brasiliense.3.ed.“O mito da democracia racial no Brasil”. pp.262-264)

“da mesma maneira que encontramos em Casa Grande e Senzala um vigoroso elogio da confraternização entre negros e brancos, também é perfeitamente possível descobrirmos lá numerosas passagens que tornam explícito o gigantesco grau de violência inerente ao sistema escravocrata, violência que chega a alcançar os parentes do senhor, mas que é majoritária e regularmente endereçada aos escravos.” (ARAÚJO, Ricardo Benzaquém. Guerra e Paz. p.48)

“É só nos anos 30 que, de suprema vergonha, a miscigenação se transforma em nossa mais sublime singularidade. O passe de mágica é formalizado por G.Freyre, que, em Casa-Grande & Senzala (1930), pinta um cenário bastante idealizado para a escravidão brasileira. Generalizando o ambiente particular e excepcional da escravidão doméstica – e transformando-a em um modelo do cativeiro local -, Freyre acabou oficializando a idéia de que, no Brasil, teria existido uma ‘boa escravidão’, com seus senhores severos mas paternais, escravos fiéis e amigos.
Defendendo a tese de que, nos trópicos, tudo tende a ‘amolecer’, Freyre entendeu a mestiçagem brasileira não como o fruto de uma relação social assimétrica, ou de uma determinada conjuntura histórica desigual, mas como um modelo de civilização a ser reconhecido e, quiçá, exportado. Segundo esse autor, o português teria contado, em sua formação, com dois elementos distintivos: de um lado, a sua origem híbrida; de outro, sua proximidade geográfica com outros continentes, a América e a África. Essas coincidências históricas e geográficas teriam gerado, portanto, um povo avesso a preconceitos e capaz de tolerar diferenças e, mais ainda, acostumado a ‘sincretizar’ elementos culturais de ordem diversa.
Partindo, dessa maneira, de uma tese exclusivamente culturalista, que pouco falava das determinantes econômicas, Freyre encontrou, no Brasil, um resumo da personalidade portuguesa, que, na colônia, frutificava ao lado de outras culturas: a indígena e a negra. Se, de fato, Casa-Grande & Senzala representava uma crítica aos modelos raciais e evolucionistas de, é preciso dizer que Freyre muda os termos e revela novas filiações teóricas, mas de forma alguma deixa de hierarquizar as raças. O branco é sempre o exemplo civilizatório, acompanhado do indígena, que trouxe seus hábitos higiênicos e alimentares e, por fim, do negro, com sua ‘religiosidade lúbrica’. Toda essa troca cultural é apresentada em um ambiente harmonioso, como se o contato entre culturas se fizesse numa espécie de ‘toma lá, dá cá’ e, sobretudo, não enfatizando as diferenças que se estabeleciam entre os grupos.
(…) “nesse momento (…) o Estado Novo passa a adotar a miscigenação como símbolo de identidade da jovem nação (…)
Com intenções políticas evidentes, a mestiçagem de mácula vira exemplo. A feijoada, de prato escravo, transforma-se em refeição nacional – dizem os folcloristas, com o branco do arroz, o marrom do feijão e o amarelo da laranja -, a capoeira deixa de ser criminalizada e mais e mais passa a ser reconhecida como esporte nacional, assim como as religiões mestiças ganham novo espaço. O samba, por outro lado, torna-se, conjuntamente com suas mulatas, um som ‘tipicamente’ brasileiro, uma referência à nossa ‘sublime’ identidade.
O mestiço, de degenerado, ressurge como um simpático malandro, oficializado na imagem do Zé Carioca criada por Disney em 1942. No desenho Alô, Amigos, surgia, pela primeira vez, o simpático papagaio que representava a malandragem mestiça brasileira, caracaterizada por não fazer nada de muito errado, mas também nada de muito certo.
Enfim, Casa-grande & Senzala é recebido como espécie de modelo nacional que, ao invés da ‘falta’, encontrava excessos, excessos de significação na sociedade brasileira. Como vimos, o livro carregava também um mito: o mito da ‘democracia racial’.” (SCHWARCZ, Lilia In: SCWARCZ & REIS (Orgs.) [1996] Negras Imagens. São Paulo, EDUSP/Estação Ciência. Pp.163-4)

“uma inversão valorativa do papel que o mestiço e a mestiçagem ocupam na cultura brasileira. De degenerativa e causa dos grandes males nacionais, a mestiçagem passa a ser interpretada como um processo cultural positivo, em torno do qual (e de seus produtos, como o samba, a culinária afro-brasileira, as técnicas de higiene luso-tropicalistas etc.) os brasileiros poderiam inventar uma nova identidade.” (VIANNA, Hermano. O mistério do samba. p.75)

“Freyre não poupa críticas irônicas a aspectos do comportamento e da personalidade dos senhores: a moleza e a preguiça feitas arte, a tendência para o deboche sexual e culinário, a perversidade, a violência, a crueldade inútil e substancialmente sádica para com os escravos. Mas talvez a coisa que mais o irritou foi a conclusão de que os senhores falharam, sobretudo, na tarefa de patriarca: não conseguiram dar o bom exemplo (…) a ética do trabalho e a postura perante os luxos dos senhores influenciaram profundamente os gostos e comportamentos dos escravos.
Mas há outros aspectos deste caldeirão de brasilidade e da nova ‘raça’ brasileira que é o conjunto da casa-grande e da senzala que ele, de forma mais ou menos explícita, elogia, nele identificando o núcleo da futura personalidade brasileira – elástica, plástica, adaptável ao meio ambiente e às circunstâncias socioeconômicas, – bem como ambígua – que constitui o tipo ‘luso-tropical’
(…) Gostaria de destacar em particular duas interessantes contribuições tanto do discurso quanto da etnografia de C&S. Por um lado, a ênfase na coexistência de diferentes estratégias utilizadas pelos oprimidos no seu relacionamento com os opressores, num contínuo que vai da resistência à negociação e à sedução (…) Por outro, Freyre salienta a existência de um quadro no qual a hegemonia cultural nem sempre se dá, devido ao fascínio recíproco, mesmo que mutável, entre opressor e oprimido, que deve ser reconquistado no dia-a-dia.”
(SANSONE,Livio. “As relações raciais em CG&S revisitadas à luz do processo de internacionalização e globalização” In: CHOR MAIO,M. & VENTURA,R. Raça, Ciência e Sociedade. R.Janeiro, Fiocruz: 1996. pp. 208-9.)