João da Baiana (1887-1974], filho de uma quituteira que viera da Bahia para o Rio de Janeiro, foi um dos pioneiros do samba e dos ranchos no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX. Esta música, que pode ser facilmente encontrada no Youtube com o próprio João da Baiana cantando, é uma resposta irônica à perseguição sofrida pela população afro-brasileira durante a Primeira República. Nela há uma inversão: o mulato aparece como cidadão honesto e o branco como um malandrão desrespeitador. Tudo isso em um diálogo com um policial. Para uma análise mais aprofundada, ver o link para o meu artigo no final da letra.

Não moro em casa de cômodos,
Não é por ter medo não,
Na cozinha há muita gente,
Sempre tem apelação,

Batuque na cozinha sinhá não quer,
por causa do batuque eu queimei meu pé,
Batuque na cozinha sinhá não quer,
por causa do batuque eu queimei meu pé,

Então não bula na cumbuca,
Não me espante o rato,
Se o branco tem ciúme,
Que dirá o mulato

Eu fui na cozinha pra ver uma cebola,
O branco com ciúme duma tal crioula,
Deixei a cebola, peguei na batata,
O branco com ciúme duma tal mulata,

Peguei no balaio pra medir a farinha,
O branco com ciúme duma tal branquinha
Voltei na cozinha, pra tomar um café,
O malandro tá com olho na minha mulher,
Mas comigo eu apelei pra desarmonia,
E fomos direto prá Delegacia,

Seu Comissário foi dizendo com altivez
É da casa de cômodos da tal Inês,
Revista os dois, bota no xadrez
Malandro comigo não tem vez

Batuque na cozinha sinhá não quer,
por causa do batuque eu queimei meu pé,

Mas, Seu Comissário,
eu estou com a razão,
Eu não moro na casa de habitação
Eu fui apanhar meu violão,
Que estava empenhado com o Salomão
Eu pago a fiança com satisfação
Mas não me bota no xadrez com esse malandrão,
Que faltou com o respeito a um cidadão,
Da Paraíba, do Norte, Maranhão

Artigo: “Um pandeiro contra a República: João da Baiana batucando na cozinha”