- O milagre da multiplicação dos artigos
Aquela bolsinha Santander, referida na história anterior, vinha em boa hora. Os PhDeuses só podiam contar, além de seus salários de fome branca e cruel, com a famosa bolsa de perversidade do Cê NãoSabeoPq. Ela era um instrumento de tortura coletivo. Os professores tinham que orientar dúzias de alunos de pós-chateação para bater suas cotas, parecia até uma equipe de vendas. Viviam usando o chicote de pontinhos para obrigar estes alunos a entregar suas dissertações e teses. Caso não se cumprisse a data de entrega, multa de 30% e queixa no PROCON, além de nome sujo no SPC – Serviço dos Pesquisadores Canalhas. Mas a maioria dos pós-graduandinhos entregava tudo direitinho. Na maioria das vezes trabalhos incompletos, imaturos e de baixa qualidade. Mas também, vocês tão querendo o que, sem tempo e sem a devida orientação – donde já se viu PhDeus perder seu tempo ajudando os outros, ainda por cima alunos – tão querendo milagre?Tá bom, então lá vai o milagre! O milagre da multiplicação dos artigos. Além de bater a cota de novos amestradinhos e doutorzinhos, os PhDeuses tinham que publicar 37 (homenagem ao Estado Novo) artigos por ano, pelo menos. O jeito era usar o famoso jeitinho brasileiro. Por exemplo: pegar o mesmo artigo e publicá-lo em quatro ou cinco revistas, de áreas diferentes (é preciso contribuir com a interdisciplinaridade!), com títulos diferentes, é claro, criatividade não faltava. Além disso, como diria Lévi Strauss, a partir de alguns pares binários há inúmeras combinações possíveis. Podiam-se fundir dois artigos anteriores em um novo. Ou fazer outro, refutando todos os anteriores. Ou recapitulando tudo pela 19a. vez. Analisando tudo que outros haviam escrito, sem, obviamente, se arriscar a dar a sua opinião, quem mete a mão em cumbuca… Era bom método também escrever artigos em “parceria” com alunos: o aluno entrava com a pesquisa e com o artigo, o PhDeus entrava com o carimbo de qualidade duvidosa. Não vamos cansar nossos leitorxs com a enumeração destes artifícios.
Que baste aqui, para termos uma ideia do avanço da ciência sexológica tupiniquim, um pequeno cálculo. Durante toda a sua existência, a Humanidade sempre se perguntou pelo valor do conhecimento. Os PhDeuses haviam matado aquela charada também. Pelos cálculos deles, cada orientando de pós-chateação rendia umas cem pilas por mês. Era pouco, muito pouco, é verdade. Mas querem o que? A caderneta de poupança rendia bem menos e jogar na bolsa, a não ser que fosse na bolsa de produtividade, era bem mais arriscado.
E se tinha uma coisa que os PhDeuses não gostavam de fazer era correr riscos. Eles gostavam de ganhar sempre, de preferência em dólar ou euro, é claro.
———————————————————————————-
OBSERVAÇÃO: Esta é uma obra FICCIONAL, inspirada em processos realmente existentes, mas não em pessoas. Semelhanças com pessoas reais são apenas coincidência, sem dúvida fruto da frequência com que determinadas coisas ocorrem nos ambientes retratados.