/AS AVENTURAS DA Dra. Eu Ka Liptus – 28. Fugindo da vala comum

AS AVENTURAS DA Dra. Eu Ka Liptus – 28. Fugindo da vala comum

As Aventuras da Dra Eu Ka Liptus

 

028. FUGINDO DA VALA COMUM

 

Enquanto preenchia os 17 formulários em cinco vias registradas em cartório que devia entregar para se inscrever para a prova da pós chateação, Eukali pensava nos seus tempos da chateação pura e simplória. Aquilo que o próprio Rei dos Pontos costumava chamar de vala comum, afinal ali rastejavam estes seres sem luz que não tinham nem mesmo escrito uma deserta-ação ou uma tese de dor-tourado. Não haviam saído da caverna e contemplado as verdades absolutas, estavam a anos-luz de se transmutarem em PhDeuses.

 

A tarefa dos divinos ao lidar com esta plebe ignara e vil consistia em elevá-los espiritualmente. Já que os dizes-que-sentes da chateação não tinham capacidade intelectual e moral para ter pensamentos próprios, e se os tivessem seriam da pior natureza, tratavam os PhDeuses de colocá-los no caminho certo, reto, quadradão até.

 

Os métodos para tal alquimia epistemológica eram quase sempre os mesmos. Primeiro o básico, já apontado aqui: fazer com que aqueles bichinhos aprendessem a repetir os textos, somente os textos, nada mais do que os textos. Experiências concretas, terrenas, vindas do “mundo” eram rechaçadas com vigor, pois a mão dos PhDeuses, embora cheia de compaixão pelos chateandos, era pesada e dura. Como ousavam relacionar o texto de um autor francês ou inglês, sem falar no alemão, aí já seria até covardia, à realidade de uma favela carioca, por exemplo? Nada disso, ao texto, crianças, ao texto.

 

Além da prova, que consistia em uma questão que permitisse resumir detalhadamente o que estava nos textos, apenas nos textos e somente nos textos, havia os assim chamados “trabalhos”. Normalmente eram deixados para o final do curso, quando todos já estavam bem esgotados e é claro que quase todos os professores passavam os trabalhos ao mesmo tempo. Ali os graduandinhos deveriam mostrar que já sabiam se virar sozinhos, seja pegando “emprestado” o trabalho de um coleguinha do semestre anterior seja obtendo “informações” na Internet, havia dezenas de sites especializados nisso. Havia até mesmo os que adotavam a prática mais bizarra: escreverem eles mesmos os trabalhos, vejam só que arrogância, achar que os PhDeuses algum dia iriam ler alguma coisa escrita por eles.

 

O plágio não era rima mas era uma solução. Até mesmo na pós-chateação haviam ocorrido vários casos. O mais sensacional foi de uma PhDeusa de outra perversidade fuderal, que havia vindo obter ainda mais luzes e um canudinho de dor-toura em Sexologia da Uffa, quanto mais capital simbólico melhor. Ao ler a tese da referida, um dos membros (ui) da banca havia percebido que dois capítulos em particular lhe soavam como algo já conhecido. Em breve pesquisa na sua biblioteca descobriu o original em Francês que fora traduzido e inserido pela candidata. A banca de defesa foi suspensa, é claro, afinal aquilo era indefensável. Mas é lógico que em ela sendo também uma PhDeusinha, mesmo vinda de um estado distante, tinha que receber um tratamento diferenciado. Teve mais um prazo para retirar os tais capítulos e defender novamente sua tese. Hoje deve estar por aí, lépida e fagueira, com seu canudão debaixo do braço ou em outro local…

 

Mas voltemos às questões de método. Havia espaço inclusive para práticas místicas, esotéricas até. A principal delas tinha o sugestivo nome cristão de “seminário”. Cansados de fazerem a caridade de aparecer para dar aula, mesmo sem prepará-las, diante daquelas criaturas selvagens, os PhDeuses inventaram esta prática extremamente salutar, para eles, é claro. O ponto de partida era clássico: um texto xerocado, pois aluno de chateação não tinha estofo para ler um livro inteiro, ora pois. Esse texto xerocado era compartilhado por quatro, cinco, até sete alunos, que o apresentavam diante de uma turma também de alunos. Havia que ter a máxima atenção na escolha dos textos para seminários. Principalmente no que diz respeito ao número de páginas. 21 páginas era um bom número para um grupo de sete seminaristas, uma conta fácil de fazer, apenas três páginas cada um. Até hoje não está explicado como alguém conseguia aprender alguma coisa com aquele sistema. É que há mais coisas entre a Central do Brasil e a terra dos PhDeuses do que supõe a nossa vã sociologia.

 

Para resumir, que até os nossos eventuais leitores já devem estar achando isso a maior chateação, podemos dizer que a chateação em sexologia da Uffa consistia em um tráfico de papel. Sim, exatamente isso. Os professores, com o perdão do uso de palavra tão rude e ultrapassada, munidos de um papel que os colocava no papel de entes superiores, escolhiam os papéis soltos que os graduandinhos iriam ler. Estes lhes entregavam de volta outros papéizinhos chamados prova, trabalho, coisas assim, sempre implicando no corte de mais e mais árvores para que aquele processo de ascensão espiritual pudesse ocorrer. Depois de entregarem uma montanha de papéizinhos e dos professores enviarem mais papéis à secretaria, os dizes-que-sentes recebiam mais um papel, desta vez com o selo imperial do Feitor da Uffa, atestando que agora estavam definitivamente chateados e podiam ir para o Ensino Médio chatear também gerações e gerações de mortais iguais a eles.

 

Eukali foi novamente despertada de suas reflexões por uma pergunta à queima roupa feita por uma secretária da pós-chateação:

 

– Você vai se inscrever para que banca: a um, a dois ou a três?

 

Como assim? Um programa de pós-chateação com três bancas diferentes. Como era a aquilo? Qual a explicação para este fenômeno da multiplicação das bancas, que pode não ser tão espetacular quanto o da multiplicação dos artigos, mas mesmo assim causa pagamento em espécie, embora se aceitem também cartões de débito e de crédito.

 

Tentaremos responder a estas e outras indagações metafísicas …

 

nas próximas histórias do seu, do nosso, do vosso sensacional folhetim eletrônico-ex-foicebukiano:

 

As aventuras da Dra. Eu Ka Liptus…