- O orgasmo vaginal e o caminho da glória
Quando ainda era uma desajeitada estudante de graduação, Eu Ka Liptus adorava vestidos floridos com generoso acesso visual a suas belas pernas e sandalinhas de couro que faziam a alegria dos pedólatras. Nessa época, seus cabelos ainda ostentavam belos cachos ao invés da rigidez cadavérica do alisamento a ferro e fogo. Era chamada por sua turma de “a doce Eukali”.Ela se interessava pelos temas alternativos da sexologia, o orgasmo anal, o orgasmo mamário e outros. Sua monografia causou furor. Valendo-se de etnografia e entrevistas, descobriu que na maioria das vezes os travestis eram contratados por seus clientes para serem ativos, ou, como se dizia pelos corredores, para comerem e não para serem comidos. Ela chegou a levar um travesti para dar um depoimento, que acabou em confusão, é claro, quando Michelle viu o professor Kur Aka na plateia e o saudou com um gritinho:– Oi, lindo…
A jovenzinha Eu Ka Liptus logo percebeu que aquele não era o caminho. Além de Kur Aka, outros professores doutores do departamento começaram a tratá-la com certa frieza. Foi aí que ela mudou de tática. Livrou-se de todo o aparato ripongo, sandálias, vestidinhos e, por fim, cabelos cacheados. Fez uma escova argelina, mandou tingir os cabelos de louro platinado e começou a usar um salto bem discreto mas extremamente efetivo.
A outra medida importante foi trocar de orientador. Nada de continuar com o Celo Baró. Celo Baró era amado pelos estudantes, um dos dinossauros mais queridos. Parecia um sujeito tranquilo, mas tinha que ver ele numa assembléia dos sábios. Não deixava passar uma, ia logo na jugular da questão, era um dinossauro de dentes afiados. Baró também era conhecido por dar apoio a temas marginais na sexologia moderna, levando em conta os fatores econômico-sociais da sexualidade, imagina só. Sem falar na sua militância no sindicato dos sexólogos defendendo o orgasmo amplo, geral e irrestrito. Ficar presa ao Celo Baró era limitar suas chances de ascensão acadêmica.
Nada melhor do que trocar aquele animal ultrapassado pelo próprio Kur Aka. Lenda da sexologia nacional, Kur Aka era conhecido, não necessariamente nesta ordem, por sua barba roxa sempre muito bem tingida, por sua vaidade incomensurável (dizem que levava um espelhinho guardado no bolso) e por seu pedantismo inquebrantável. Quando falava parecia buscar os termos mais sofisticados, que o distanciassem o mais possível do que chamava de baixo clero ou às vezes até mesmo de plebe ignara, turba, patuléia e outros termos menos cotados.
Kur Aka era o grande especialista no tema dos temas, na questão que estava no centro da sexologia mundial. Existe ou não orgasmo vaginal? Fazê-lo esquecer o lamentável episódio com Michelle foi difícil, mas nem tanto. Bastou se inscrever em um curso de sexologia avançada III e começar o processo de sedução. Elogios frequentes diante da turma, aquelas dúvidas sempre tiradas no fim da aula, demonstrando um interesse incomum nas teorias de Kur Aka, bem como calças bem apertadas e generosos decotes, fizeram o serviço.
Agora sim, a jovem Eu Ka Liptus estava, literalmente, em boas mãos. Ela começava a trilhar o seu caminho para a glória…
OBSERVAÇÃO: Esta é uma obra FICCIONAL, inspirada em processos realmente existentes, mas não em pessoas. Semelhanças com pessoas reais são apenas coincidência, sem dúvida fruto da frequência com que determinadas coisas ocorrem nos ambientes retratados.