/HISTÓRIAS DO SAMBA – 25. A favela não vai abaixo

HISTÓRIAS DO SAMBA – 25. A favela não vai abaixo

  1. A favela não vai abaixo

 

Sinhô adorava o Morro da Favela, onde ele dizia ter tirado seu “curso de malandragem”. Em fins da década de 1920 é contratado um urbanista francês que traça um plano de remodelação da cidade do Rio de Janeiro que, entre outras coisas, previa a expulsão dos moradores da favela, a serem substituídos por funcionários públicos, pequenos empregados do comércio e outros. Sinhô revidou exaltando o Morro da Favela em seu famoso samba de 1928, “A favela vai abaixo”. É um diálogo fictício entre um seresteiro e uma mulata.

 

Começa com o seresteiro anunciando o fim da favela e a dor da perda do lugar onde eles se amaram:

 

Seresteiro

Minha cabocla, a Favela vai abaixo!

Quanta saudade tu terás deste torrão

Da casinha pequenina de madeira

Que nos enche de carinho o coração!

 

A mulata continua no mesmo tom, acrescentando a dimensão do sagrado:

 

Mulata

Que saudade a nos lembrarmos das promessas

Que fizemos constantemente na capela

Pra que Deus

Nunca deixe de olhar

Pra nós da malandragem

E pelo Morro da Favela

 

E prossegue criticando as autoridades e a sociedade branca por aquela violência:

 

Vê agora a ingratidão da Humanidade

E o poder da flor sumítica amarela

Que sem brilho

Vive pela cidade

Impondo o desabrigo

Ao nosso povo da Favela

 

O seresteiro detalha o que vai acontecer, serão obrigados a ir para longe:

 

Seresteiro

Minha cabocla, a Favela vai abaixo!

Arruma as trouxa

Vamo embora pro Bangu

Buraco Quente, adeus pra sempre

Meu Buraco

Eu só te esqueço no buraco do Caju

 

E a mulata explica a razão daquilo tudo, a inveja de quem não conhece o samba nem pode apreciar a lua do alto do morro:

 

Mulata

Isso deve ser despeito dessa gente

Porque o samba não se passa para ela

Porque lá o luar é diferente

Não é como o luar

Que se vê dessa favela

No Estácio, Querosene ou no Salgueiro

Meu mulato não te espero na janela

Vou morar na Cidade Nova

Pra voltar meu coração para o morro da Favela!

 

Uma das primeiras músicas sobre a favela, “A favela vai abaixo” é um documento histórico que mostra como as camadas populares tinham no samba uma arma para combater os preconceitos e as arbitrariedades. Diante da visão da sociedade branca de que a favela seria reduto de marginais, Sinhô contrapõe a imagem de um lugar onde vidas eram vividas, com seus amores, alegrias e tristezas. E mais, um lugar de arte e beleza, que se não era o berço, era um habitat natural do samba.

Detalhe: a favela acabou não indo abaixo, muito pelo contrário, resistiu e multiplicou sua presença na paisagem do Rio de Janeiro.