/HISTÓRIAS DO SAMBA – 30. A boca da mulher amada

HISTÓRIAS DO SAMBA – 30. A boca da mulher amada

  1. A boca da mulher amada

Outra da Velha Guarda da Portela. Quem me levou aos caminhos do samba foi o genial Cartola, com suas letras sublimes e melodias encantadoras. Uma das maiores alegrias da minha vida foi ter a oportunidade de ver um show de Cartola no ginásio da PUC no final dos anos 70. Fui o primeiro a chegar e fiquei tão perto dele que poderia tocá-lo, já que não havia nem palco, estavamos todos sentados no chão, literalmente aos pés de Cartola. Por conta disso, mesmo sem vivência nenhuma em carnaval ou escola de samba, passei a torcer pela Mangueira.

Quando comecei frequentar a Portelinha, uma das primeiras coisas que os componentes da Velha Guarda me perguntaram foi para que escola eu torcia. Nenhum revelou desapontamento ou mal-estar quando eu disse torcer pela verde-rosa. Demonstraram enorme respeito. Mas logo eu passaria por uma situação difícil. Foi no dia do ensaio da escola, já mencionado acima. Como eu era convidado deles, sentei-me simplesmente na mesa da Velha Guarda da Portela.

A escola de samba, assim como o candomblé, é baseada em hierarquias que remetem à África e ao respeito pelos mais velhos. “Mais Velho” até hoje é uma expressão de respeito em muitas favelas por onde passei. Pois bem, lá estava eu, no meio dos nobres da tribo azul e branca quando o ensaio começa. O ensaio não começa com música, a bateria não toca. Ele se inicia ritualmente com a entrada do mestre-sala e da porta-bandeira. Eles vem respeitosamente apresentar a bandeira da agremiação aos componentes da Velha Guarda que beijam o pano sagrado um por um. Até chegar a minha vez. O que fazer? Não hesitei, beijei a bandeira da Portela como se fosse a boca da mulher amada.